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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Fora de Série' revitaliza comédia adolescente


Quando se fala em comédias adolescentes pré-universitárias, pensa-se sempre em rapazes adolescentes babacas fazendo babaquices. É um clichê criado graças ao sucesso de filmes como Superbad e American Pie. No entanto, finalmente, chega um filme aos cinemas que busca desconstruir essas obviedades com uma história que continua falando das bobagens da vida adolescente, mas com um teor diferente. É o ótimo Fora de Série, comédia dirigida pela atriz Olivia Wilde e que foca na vida de duas adolescentes, prestes a ir para a faculdade, e que percebem o quando perderam.

Afinal, Molly (Beanie Feldstein) e Amy (Kaitlyn Dever) se dedicaram integralmente aos estudos. Focaram nas boas notas e em grupos estudantis para garantir vaga em uma boa universidade. No entanto, elas entram em choque quando percebem que colegas, que levaram a vida na boa, indo em festas e se divertindo, também conseguiram boas oportunidades. Aí vem a dúvida: se eles se divertiram e se deram bem, por qual motivo eu fiquei estudando sem parar, enfiada em casa? É a deixa para a dupla aproveitar os últimos momentos do Ensino Médio indo ao limite na festa de despedida dos alunos.

O filme, claro, ainda tem as bobagens que adolescentes fazem. Bebedeiras, experiências sexuais desastrosas, uso de drogas sem muita atenção. Coisas da idade. Mas aqui, há algo mais. Algo que, aliás, a Netflix tem buscado obstinadamente em filmes como Dude: mostrar o lado feminino disso. A mulher, nesse subgênero de filmes, sempre foi tratada como objeto sexual, pouco interessante e de conteúdo raso. Ou, se não fosse bonita, aí sim poderia ser inteligente. São os velhos clichês de um cinema que segue as regras do jogo patriarcal. Aqui, esses clichês são quebrados quando as colocam no protagonismo.

As duas, sempre em conversas francas e amigáveis, falam sobre masturbação, desejo, sexualidade, medos, angústias, receio com o futuro, drogas, bebida, tempo. Tudo, claro, embalado pela linguagem fútil e, muitas vezes, pouco compreensível dos adolescentes. Mas só pelo fato de quebrar essa preponderância masculina, Fora de Série já acerta. Quebra estigmas, cria um filme para um público órfão desse conteúdo até então nos cinemas e, ainda, traz um trama divertidíssima, moderna, atual. Gostosa de assistir.

Beanie Feldstein (Lady Bird: A Hora de Voar) está bem como uma amiga mandona, que sempre toma as rédeas da situação para si, ainda que se preocupe muito com as pessoas ao seu redor. É excesso de cuidados. Mas quem rouba a cena mesmo é a sensacional Kaitlyn Dever, que já brilhou em filmes como Detroit em Rebelião e Querido Menino. A menina é uma sensação. Tem um humor genuíno delicioso, sabe construir sua personagem em camadas e encanta em cena. Tem muito, muito futuro nas telas.

Vale ressaltar, ainda, o ótimo trabalho de Wilde em sua estreia como diretora. Ainda que cometa excessos aqui e ali, que incham o filme e o deixam um pouco cansativo em alguns pedaços, ela consegue comandar tudo com mão firme e faz um coming of age que tem espaço para ser um queridinho da geração que está nas escolas. Se ela a descobrir, difícil não se sentir identificado. É um filme que, por conta das boas atuações, da história gostosa de acompanhar e da atualidade que confere pelos temas e pela música, tem chances de ser tão querido quanto Superbad, Meninas Malvadas e afins.

Há problemas, claro. Uma personagem, por exemplo, repete tanto uma piada que fica chato. Uma dupla de amigos é extremamente estereotipada -- indo além do saudável. E há uma espécie de reviravolta que tenta surpreender, mas só causa indiferença. Além dos já citados momentos de cansaço por conta de algumas coisas que se repetem. Mas nada parece estragar o espetáculo geral, que entrega mais do que promete no início.

Assim, Fora de Série é uma deliciosa descoberta. Traz temas tratados como tabu, desmistifica a figura feminina na adolescência e apresenta uma dupla de personagens poderosas, feitas sob medida para adentrar a cultura pop e ali ficar por muitos anos. Um filme necessário, mas que faz rir. Uma comédia adolescente com estereótipos, mas que quebra os mais perigosos e teimosos. Um coming of age que mostra como aproveitar o tempo é mais do que necessário. É uma formação de vida. Ótima surpresa de 2019.

 

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