Yvonne (Adele Haenel) é uma policial que descobre que Jean Santi (Vincent Elbaz), seu falecido marido e chefe da polícia, não era um profissional correto. Acobertava crimes, mantinha alianças com bandidos e coisas do tipo. Frustrada, ela acaba criando um vínculo afetivo com Antoine Parent (Pio Marmaï), um homem injustamente acusado de roubo por Jean e que sai da cadeia atormentado. É, assim, o meio que Yvonne vê de recompensar todos os erros de seu marido como homem, marido, pai e chefe da polícia.
Logo na primeira cena de Finalmente Livres, filme que conta essa história, a sensação é de que a produção seguirá por um caminho do besteirol e, apesar de ser francesa, com o pé no humor americano. Afinal, o diretor tunisiano Pierre Salvadori (Amar Não tem Preço) parece pegar inspiração na série Brooklyn 99 e cria uma sequência cheia de explosões, humor de personagens e até com momentos de violência explícita, como a cena em que um homem é brutalmente esfaqueado na cabeça. Tudo ali é mostrado.
No entanto, momentos depois, essa brutalidade inicial -- seja no sentido da violência, seja no sentido do humor -- acaba. E Salvadori volta a apostar no típico humor francês, cheio de ironias e sutilizas. Mas depois isso chega ao fim, novamente, e Finalmente Livres volta ao humor exagerado e escrachado. É uma salada mista de sensação. Uma mistura de água e óleo. Parece que não há um foco por parte do cineasta, que tenta buscar uma união do humor clássico francês com o que há de mais sendo feito por aí.
A confusão que isso causa no público é evidente. O Esquina assistiu o longa-metragem durante uma sessão do Festival Varilux, repleta de idosas. Aparentemente, esse público buscava algo leve e divertido para a tarde ensolarada de quarta-feira. Não foi de se estranhar, então, os arpejos que surgiram na cena da facada e em outras, do mesmo nível e significado, que se seguiram ao longo dos 107 minutos de duração da película.
Essa bipolaridade no humor seria aceitável se os erros de Finalmente Livres parecem por aí. Mas não é o que acontece. As piadas, escritas pelo trio de roteiristas Benjamin Charbit, Benoît Graffin e pelo próprio Salvadori são repetidas o tempo todo. O personagem do ótimo ator Damien Bonnard, que faz um colega policial da protagonista, repete uma situação em que não escuta o que outra pessoa está falando umas quatro ou cinco vezes. Uma piada de Yvonne contando algo pro filho passa das dez vezes na tela.
Humor por repetição é algo extremamente delicado de se fazer no cinema. Geralmente funciona quando há uma interpretação mais física dos personagens. Aqui, essa repetição só expõe a fragilidade do roteiro, mesmo que sendo escrito por três pessoas.
Esse mesmo trio também erra na construção de personagens. Bonnard (Dunkirk) é o bobão romântico, Haenel (A Garota Desconhecida) é a mulher que quer arrumar as coisas que seu marido fez, ficando presa num único tipo de ação; e a querida Audrey Tautou (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) é desperdiçada num papel qualquer ali.
O pior ali, porém, é o personagem de Marmaï (Alyah). Além dele ser extremamente limitado em termos interpretativos, o ator dá vida ao personagem que não consegue encaixar uma única situação coerente. Ele é atormentado após a prisão, mas a questão não é aprofundada -- pelo contrário, é vista numa cena e depois esquecida. Os conflitos internos não são bem evidenciados, ficando claros apenas quando ele e Yvonne protagonizam uma discussão, bem perto do final. É um personagem sem propósito ali.
Os acertos do filme ficam restritos em alguns momentos, como uma piada envolvendo um homem que tenta fazer uma confissão e uma confusão no meio da trama. Um momento mais pro final, envolvendo um assalto e roupas de sadomasoquismo, é de um exagero sem fim. Mas o espectador já está tão cansado que pode render algumas gargalhadas. Ainda assim, porém, Finalmente Livres é um longa-metragem que não se decide. Os que buscam humor francês vão se chocar. Os que buscam algo mais pesado, vão achar o filme lento. Difícil alguém sair totalmente feliz. É água e óleo. E nada mais.
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