Poucas vezes fui tão surpreendido nos cinemas como em Wonka, longa-metragem que chega aos cinemas já nesta quinta-feira, 7. Nada, absolutamente nada me animou para o filme: a ideia de fazer uma história de origem do personagem de A Fantástica Fábrica de Chocolate, como se fosse necessário; o material de divulgação, que sempre trazia cenas beirando o tosco; e a própria escolha de Timothée Chalamet pro papel. Quase tudo calou minha boca. Quase tudo.
Dirigido pelo talentosíssimo Paul King, dos já clássicos filmes de Paddington, o longa é o que se propõe: a história de origem de Willy Wonka, esse personagem amado e odiado por gerações.
Mesmo preso nas amarras de criar a origem de um personagem que já está cristalizado na memória de muitos e com a obrigação de fazer um filme de origem, King e seu parceiro de roteiro, Simon Farnaby (de Paddington 2), decidem por contar uma boa história e não apenas ficar preso em amarras. Ao contrário de filmes de origem como Cruella, por exemplo, Wonka não quer só entregar fanservice. Há preocupação em criar o mundo de magia e bons personagens.
Mas vamos começar por esse primeiro ponto. A criação do mundo mágico de Wonka reside em uma escolha bastante consciente de King: o filme não pode ser uma realidade mágica, mas sim uma realidade fantástica. A fantasia permeia a história, junto com o absurdo, o bizarro, o inacreditável. Isso vai desde a dentadura exagerada de Olivia Colman, que vive uma das vilãs do filme, até situações que ultrapassam a barreira do normal, como os monges chocolótras.
Com isso, King nos dá liberdade para navegar em um mundo em que tudo é aceito e possível. Tudo contribui para que sejamos aceitos, sem barreiras, nessa realidade. Os próprios efeitos estão ali, escancarados na tela, não com o objetivo de traduzir realismo, mas com a necessidade de aumentar ainda mais a sensação de fantasia. Você, como espectador, viaja sem amarras, sem compromissos. É como um parque da Disney, que nos faz esquecer que há um mundo lá fora.
Sobre o segundo ponto, dos bons personagens, há um cuidado para que qualquer um com alguma importância na trama tenha uma criação imagética própria. Nada ali é jogado. Desde o trio de fabricantes de chocolates bizarros, passando pelas pessoas que circulam pela cidade e até chegar nos amigos de cárcere de Wonka — o ponto nevrálgico da trama, com o protagonista precisando fugir. Tudo ali é reconhecível e contribui para a criação de uma personalidade própria. Logo de cara, você entende como a dona de pensão vivida por Colman irá agir.
Isso é cuidado, de verdade, com o design de produção. Sendo um filme que abraça a fantasia, o absurdo e que quer tornar crível o que é inacreditável, Wonka sabe como é necessário que nós, espectadores, embarquemos até mesmo na pequena trama do guarda do zoológico ou, ainda, no padre (Rowan Atkinson, o eterno Mr. Bean) que é corrompido por chocolates — vale dizer, aliás, que toda a parte envolvendo Atkinson e os monges viciados em chocolate é genial e divertida.
Por fim, é preciso de um parágrafo para ressaltar Hugh Grant. Ele diz que odiou fazer o filme, mas seu Oompa-Loompa é uma das melhores coisas do filme. Divertido, sarcástico, engraçado.
Lembra que, no começo, falei que quase todos os pontos que me preocupavam no filme calaram minha boca? Pois é: um deles infelizmente se confirmou. Timothée Chalamet pode até ser um ator talentoso, como vimos em Me Chame Pelo Seu Nome e Duna, mas não é, nem de longe, a escolha ideal para viver Willy Wonka. Ainda que ele se saia bem nos momentos mais dramáticos da coisa (que não se prolongam por mais de dois minutos), ele não funciona no resto.
Chalamet não canta bem, pra começo de conversa. E o filme, sendo quase todo musical, perde muito em qualidade. Afinal, nem todos são Ryan Gosling que, mesmo cantando de um jeito canhestro, tem todo o charme em La La Land. Aqui, a falta de potência vocal joga os números musicais para baixo. São os momentos menos interessantes de um filme que consegue trazer fantasia nos efeitos, nos trajes, nas perucas e nas dentaduras, mas que não causa aquela explosão musical que esperamos de filmes do gênero. Chalamet, uma pena, tem culpa nisso.
Para além disso, Timothée Chalamet não sabe viver os momentos mais bizarros de Wonka. É algo que Gene Wilder e até mesmo Johnny Depp souberam fazer com tranquilidade. Chalamet, porém, chega perto de um sentimento de vergonha alheia quando força uma careta ou começa um canção, como no momento em que distribui chocolates voadores e faz a trend do reverse. Nem todo ator de drama, como é o caso do americano, saber fazer comédia desse jeito.
Isso não tira o brilho e o charme de Wonka, porém. O longa-metragem continua sendo um mergulho fantástico de final de ano. Um filme perfeito para o Natal. É engraçado, divertido, colorido, fantasioso. E nos dá um escape muito bem-vindo em um momento em que a fantasia e as cores do mundo estão cada vez mais tristes e acinzentadas. É o filme perfeito de fim de ano.
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