Antes mesmo de estrear no circuito de exibição no Brasil, o filme Segredos de um Escândalo passou por um processo de discussão (talvez, ainda, de polemização) ao redor de sua indicação ao Globo de Ouro. Na dicotomia do prêmio entre filmes de drama e de comédia, este novo longa-metragem foi indicado na segunda categoria. Como pode?
Afinal, tudo na história de Segredos de um Escândalo, que estreia nesta quinta-feira, 18 de janeiro, indica que é um drama dos bons – talvez, dê até pra chegar no ponto de dramalhão.
A trama acompanha a história da atriz Elizabeth (Natalie Portman) indo visitar a pessoa que vai inspirar sua próxima personagem nos cinemas. Essa tal inspiração é Gracie (Julianne Moore), uma pacata dona de casa, que vive fazendo bolos para a vizinhança, que vive uma estranha relação com Joe (Charles Melton), que é consideravelmente mais novo do que ela.
Pior: mesmo com 36 anos de idade, ele já está com uma filha na faculdade e outros dois acabando o colégio. A conta não fecha. É a partir dessa diferença de idade, exposta a partir de uma conversa desconfortável entre Elizabeth e Joe, que o diretor Todd Haynes nos coloca nesse furacão familiar. No entanto, não se engane: o filme vai bem além de conflitos.
E é aí que voltamos para a discussão sobre a categoria na qual Segredos de um Escândalo foi submetida no Globo de Ouro. Nessa trama, que pode até parecer uma história de novelas clássicas de Manoel Carlos, mas ambientada no subúrbio norte-americano, não há nada de banal. Nada de clássico. Haynes retorna às suas origens, como um cineasta que gosta de cutucar a sociedade (vide o ótimo Longe do Paraíso), e ri das mentiras.
Oras, a mentira tem algo de cômica. Por que, exatamente, uma pessoa mente? Para parecer melhor do que outra. Para fingir que as coisas estão dando certo quando, na verdade, estão caindo como um castelo de cartas. Para manter seu status quo. Tudo isso, no fim das contas, é ridículo. É tosco. Haynes sabe disso e aplica essa sensação no filme.
O diretor não leva a sério Elizabeth e Gracie – vide a cena logo no começo da trama, quando a personagem de Julianne Moore abre a porta da geladeira, a câmera dá um close, a trilha sonora surge retumbante e, no final, a ouvimos apenas praguejar que precisa de mais salsichas. Ele sabe que essas duas personagens vivem em uma farsa e, por isso, as absorve como uma comédia social do ridículo. Segredos de um Escândalo gargalha da sociedade.
Mais: Haynes, a partir dessa trama escrita por dois estreantes, Samy Burch e Alex Mechanik, também condena o cinema, enquanto ri dessa máquina que é Hollywood. Ao lado de uma atuação irretocável de Natalie Portman, em seu melhor papel desde Cisne Negro, ele mostra como as engrenagens dessa indústria funciona. Demonstra interesse, mas tudo é apenas para amaciar o ego e responder a repórteres. No final, é exploração.
No entanto, não se engane que Segredos de um Escândalo se limita em um único gênero, em um único comentário escrachado. Depois de mostrar como tudo é ridículo, o cineasta trata de apontar o dedo para quem mais importa: aquele que realmente está sofrendo no meio de tudo isso. A sociedade se sustenta em mentiras, mas alguém está pagando o pato.
Os últimos 30 minutos do filme são espetaculares. Haynes reverte a narrativa e, de pronto, transforma a comédia em tragédia. Melton, que estava apenas razoável em cena, entrega uma das grandes performances do ano. E o filme, que tem tudo para ser um dos melhores de 2024, termina numa nota altíssima apontando para nós, sociedade, e perguntando: o que estamos consumindo? Sobre o que mentimos? Quem está pagando por nossas mentiras? Por que mentimos? Dá pra dizer que um soco na cara seria menos doloroso.
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