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Crítica: 'Oppenheimer' narra a odisseia do homem que queria ser eterno

Foto do escritor: Matheus MansMatheus Mans

É bastante comum a comparação entre J. Robert Oppenheimer e Prometeu, o titã grego que roubou o fogo dos deuses e deu para a humanidade. Afinal, todos os elementos do "Prometeu moderno" estão lá na biografia de Oppie (como é chamado o físico por seu apelido): o homem que parece ter roubado não apenas o fogo, mas o poder destrutivo da chama para "explodir" a humanidade. Foi ele, afinal, quem liderou a criação da bomba atômica na Segunda Guerra.


É quase uma epopeia grega, uma odisseia, de um homem atravessando o mar da invisibilidade para se tornar um dos nomes mais importantes do século XX -- e que viria a mudar o rumo de toda a humanidade. Essa, em resumo, é a essência do excelente filme Oppenheimer, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 19 de julho. Dirigido pelo amado e odiado Christopher Nolan (A Origem, Tenet), o longa-metragem é essencialmente uma cinebiografia. Mas é mais do que isso.


A história de J. Robert Oppenheimer


Afinal, mais do que contar uma entediante história com começo, meio e fim, Nolan absorve tudo aquilo que envolve a trajetória de Oppenheimer e faz uma trama saborosa, bastante densa, em que mergulhamos nos dilemas desse homem cheio de contradições. Afinal, além de ser taxado eternamente como o "pai da bomba", Oppie também era judeu, pai de família, mulherengo, genial, autodidata, prolixo, arrogante. Um homem que amava muito e que também desprezava.


A primeira hora do longa-metragem é a mais cansativa. É quando o roteiro de Nolan ainda está se assentando e ainda há muita coisa a ser estabelecida -- a personalidade do biografado, o momento em que vive e, é claro, aspectos do seu ciclo social. São elementos importantes, mas que se arrastam mais do que deveria. É, também, o momento em que mais vemos Nolan na tela: é na primeira hora que ele mais brinca com a narrativa e faz inserções abstratas na tela.

Fica a sensação, no começo, que o filme será arrastado, chato, previsível. Mas é aí que as coisas mudam próximo da segunda hora do longa-metragem. Rapidamente, Nolan, como num estalo, mexe as estruturas da história é o filme, que até ali era um drama de um homem genial e que não encontrava exatamente seu lugar no mundo, se transforma em um tenso retrato dos bastidores de Los Alamos, local que abrigou cientistas para desenvolver a bomba atômica.


As conversas que ali são travadas, ainda que várias delas sejam absolutamente ficcionais, dão o tom do profundo drama que vai se estabelecer futuramente. Cillian Murphy, em seu primeiro grande papel nos cinemas depois do sucesso de Peaky Blinders, dá o tom perfeito para Oppie -- ele quase se transforma na tela, adquirindo a magreza característica do físico. Robert Downey Jr. faz uma boa contraposição ao personagem como o empresário em processo de sabatina.


Além disso, há um excepcional elenco de apoio dando conta dessa história se desenvolver como deve: Matt Damon é um intimidador militar que comandava as operações de Los Alamos; Jason Clarke dá raiva como um advogado/promotor que antagoniza com Oppenheimer em um julgamento feito na era McCarthy; e Emily Blunt tem pouco espaço como Kitty, a esposa durona de Oppenheimer, mas brilha quando pode. Só Florence Pugh que fica sobrando, objetificada.


Sentidos aguçados em 'Oppenheimer'


Nesse segundo ato do filme, quando acompanhamos o desenvolvimento da bomba, é também quando Nolan consegue aguçar nossos sentidos para a complexidade emocional de Oppenheimer. São nesses momentos que conseguimos ver o físico se dividindo entre o momento atual de guerra com o pós-guerra, a dor da criação e, mais do que isso, como isso está afetando seus relacionamentos. É um drama tenso e intenso, que desemboca no ápice do filme.


O teste da bomba atômica é a grande força do cinema de Nolan em Oppenheimer. Mesmo sabendo tudo o que acontece ali, nós, espectadores, ficamos tensos, angustiados, e preocupados com o que vai acontecer -- e é aqui que conseguimos entender um pouco da insistência de Nolan em assistir ao longa-metragem na maior tela, no melhor som e por aí vai. É uma cena que tem um impacto sonoro e visual que desnorteiam a audiência e mostra como o cinema é vivo.


Depois disso, para fechar essa tríade de três momentos de Oppenheimer, temos o filme de tribunal, em que o longa-metragem foca quase que exclusivamente no julgamento de Robert por traição e, também, no processo de Lewis Strauss para conquistar um cargo importante no governo. E é aí que Nolan mostra toda sua perspicácia: deixa alguns elementos da biografia de Oppenheimer para revelar só no final, causando um choque genuíno em quem está assistindo.


A última cena, deslocada do meio do filme para fechar a narrativa, deixa qualquer um arrepiado. Nolan, apenas com as palavras de seus personagens (é, afinal, um filme quase todo calcado nos diálogos), arrepia, faz pensar, emociona. Mostra que o cinema comercial norte-americano continua vivo, apesar dos percalços. Grandes histórias não precisam de grandes efeitos.


Difícil sair da sessão sem uma boa dose de reflexão sobre a história de Oppenheimer, sobre a criação da bomba atômica e os efeitos que ainda sentimos. Oppenheimer, quando se firmou como um dos principais cientistas dos Estados Unidos, obviamente queria deixar um legado para que seu nome perdurasse. Perdurou, mas talvez não da maneira que ele queria: virou um fantasma, um ser invisível, que ameaça o mundo o tempo todo. Oppenheimer é o meio e o fim.

 

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