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Crítica: 'O Aprendiz' acerta ao transformar simbiose em parasitismo


Tudo ao redor de O Aprendiz, longa-metragem que estreia nesta quinta-feira, 17, é inesperado. O filme, que fala sobre a juventude e o começo da vida empresarial de Donald Trump, está rodeado de escolhas pouco convencionais, indo desde Sebastian Stan como o ex-presidente dos EUA e até chegar na escolha do iraniano-dinamarquês Ali Abbasi como o diretor da história.


O fato, porém, é que as escolhas inesperadas fazem com que o filme seja uma das grandes surpresas de 2024. Mais do que uma cinebiografia convencional, em que vemos o advogado inescrupuloso Roy Cohn (Jeremy Strong) ensinando o jovem Trump a ser quem ele é hoje, nós, como espectadores, vemos uma relação quase biológica, indo da simbiose até o parasitismo.


Abbasi, como um cidadão não-americano, foge das convenções. O Aprendiz até começa como um longa-metragem proposto a ser uma cinebiografia: Trump parece um jovem perdido, com grandes ambições, enquanto Cohn é aquele mestre pronto para mostrar o caminho ao pupilo.


Mas um filme dessa magnitude, com essa proposta, não poderia ser só isso -- oras, ser uma cinebiografia de chapa branca, seja de um lado ou do outro, seria apenas propaganda política em um momento como este. Abbasi faz com que a relação entre Trump e Cohn seja o core da coisa toda, indicando como as coisas caminham nos bastidores não só da política, mas do poder.



Para isso, o roteiro de Gabriel Sherman faz uma jogada esperta: nivela o início do filme a partir da maldade de Cohn, não de Trump. No começo da história, o ex-presidente está apenas absorvendo tudo, enquanto Cohn destila seu ódio e maldade. Só que as coisas vão mudando e Trump vai ganhando fôlego. Logo mais, a maldade de Cohn parece só brincadeira de criança.


Essa comparação narrativa natural é a grande sacada de Sherman, fazendo com que O Aprendiz tenha algo bem concreto a dizer. Não dá para entender Trump como um self-made man ou, tampouco, como a criação apenas de Cohn. Não: Trump é quase uma criatura que come seus adversários por dentro, corroendo suas vontades e tomando as ideias para si.


Abbasi, enquanto isso, volta a absorver um pouco de seu cinema fantástico. Não chega a ser Border, o melhor filme de Abbasi até agora, mas faz com que Trump tenha uma transformação física ao longo da história: ele vai ficando cada vez menos Sebastian e cada vez mais Donald.


O Aprendiz, assim, é um filme que beira o cinema de horror, às vezes o fantástico, e sem nunca se contentar em ser exatamente uma biografia ou algo do tipo. É um longa-metragem de estudo de personagem, que é consciente de não falar sobre amizade, mestres e camaradagem, mas sim de um sistema predatório em que nem sempre o mais inteligente é que fica no topo.


É, enfim, um filme difícil de classificar. Não dá para encarar a história de forma linear, óbvia, preto no branco. É mais instigante e curioso do que parece em um primeiro momento com atuações brilhantes de Stan e Strong. Cá entre nós, é um dos melhores filmes do ano.

 

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