Talvez seja consenso, no meio da comunidade cinéfila, que Ferrari é um dos filmes mais aguardados de 2024. Afinal, o longa-metragem marca o retorno do cineasta Michael Mann, de pérolas como Fogo Contra Fogo e Miami Vice, após oito anos afastado. E mais do que isso: este seu novo filme, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 22, é o projeto da vida de Mann.
O projeto do filme, afinal, já passou por várias fases. Robert De Niro iria interpretar o protagonista, Enzo Ferrari, na primeira versão do projeto. Depois, o papel chegou a passar pelas mãos de Bale e Jackman. Até que, finalmente, terminou com Adam Driver (História de um Casamento, Star Wars: Os Últimos Jedi), que surge aqui envelhecido e, bem, italiano.
Ferrari, como o próprio nome sugere, fala sobre a vida e os bastidores do trabalho de Enzo Ferrari, o homem que criou uma das marcas de carro mais cobiçadas do mundo. Aqui, porém, o foco não é mostrar nascimento, vida e morte. Mann, com roteiro do já falecido Troy Kennedy Martin (Um Golpe à Italiana), se debruça em um pedaço bem específico da vida de Enzo.
É um momento, nos anos 1950, em que parece que tudo vai mal para o empresário. O casamento com Laura (Penélope Cruz) está péssimo, praticamente acabado, principalmente após a morte do filho. Ele tem uma amante (Shailene Woodley) e um filho com ela, mas não tem coragem de assumí-lo, temendo a reação que Laura, que também é sua sócia, pode ter.
Ao mesmo tempo, o desempenho da Ferrari decai. A Maserati se torna a empresa com o carro mais rápido, enquanto a Ferrari luta para recuperar esse posto. A esperança é Alfonso de Portago (o brasileiro Gabriel Leone), piloto empolgado para liderar a escuderia da Ferrari em busca de retomar esse posto. Ferrari fica no meio de tudo isso, ainda com risco de falir.
É interessante, assim, o frescor narrativo do filme de Mann. Não há aquele cansaço típico em que acompanhamos nascimento e morte, com uma história no meio. Ao recortar a existência de Enzo Ferrari, sabemos que há algo de interessante naquele período de tempo que merece um filme. Aqui, o ponto alto é a análise do comportamento de Enzo em meio a tantas pressões.
Acrescido a esse recorte original, está outro ponto alto do filme: a direção sempre elegante de Michael Mann. Ele sabe como movimentar a câmera como poucos e, acima de tudo, comanda o ritmo do filme com elegância. A história transita entre gêneros e possibilidades com fluidez -- em uma hora, nos vemos no meio de uma corrida de carros; depois, voltamos a mergulhar no romance complicado dele com a amante; e, enfim, vemos Enzo circulando pela alta sociedade.
São realidades e histórias que diferem bastante em essência, mas que Mann, com uma qualidade técnica impressionante, consegue transformar em algo simples, quase banal.
Assim, ainda que Ferrari tenha uma base muito boa, com direção forte e recorte bem original, é questionável se essa é uma história que se sustenta. Afinal, por mais classudo que o filme seja (e realmente é!), o longa-metragem falha em se comprovar como válido. Oras, ficamos mais de duas horas na sala de cinema assistindo a um burguês italiano -- com seus sofrimentos válidos, é claro -- tendo um relacionamento complicado enquanto comanda uma empresa de carros.
Qual o ponto, exatamente? O que Michael Mann está querendo nos contar com isso? Qual o objetivo desse filme além de trazer um retrato bem específico dos anos 1950 na vida de Enzo? São questões que não alcancei a resposta. Mann pode até falar de resiliência aqui e ali, assim como também questionar a moralidade do empresário, que vê os pilotos como peças do carro.
Mas, de novo, é uma história que não se justifica, não encontra um ponto de apoio. Ainda mais com a atuação de Driver: ele está bem, mas está longe de colocar complexidade em seu personagem. Falha em transitar entre as personalidades complicadas que Enzo era conhecido por ter. E, acima de tudo, uma escolha de Mann prejudica ainda mais o filme: pra que colocar o sotaque italiano tão carregado? Isso é algo que deixa tudo caricato e difícil de embarcar.
Ferrari está bem longe de ser um desastre ou algo do tipo. A classe de Mann na direção, assim como o sopro de originalidade na forma de contar uma cinebiografia, destacam o longa-metragem de outras produções do gênero. Mas é difícil sair do cinema sem se questionar sobre o que o filme quer e sentir que a história de verdade aqui era de Portago, não de Enzo.
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