Durante os anos 1916 e 1917, Lúcia dos Santos e seus primos, Jacinta e Francisco, afirmaram ter testemunhado seis aparições da Virgem Maria na aldeia de Aljustrel em Fátima, cidade de Portugal. Era uma época de completo desespero, pois muitos homens da cidade foram representar o país na guerra e pouquíssimos voltavam. No entanto, os rumores das visitas de Nossa Senhora às crianças ganharam força na cidade, espalhando-se por todo o país e atraindo milhares de peregrinos esperançosos.
Essa é a história baseada em fatos reais que Marco Pontecorvo aborda em seu novo longa-metragem: Fátima: A História de um Milagre, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 14 de outubro. O filme começa quando o professor Nichols (Harvey Keitel) visita a irmã Lúcia em seus momentos finais da vida – interpretada por Sônia Braga – para estudar os acontecimentos que envolveram Lúcia e seus dois primos na cidade de Fátima.
Ao longo da narrativa, vemos Lúcia enquanto criança (Stephanie Gil) vivenciando as aparições e os ensinamentos da Virgem Maria junto aos primos, Jacinta e Francisco, além das visitas de um anjo que se denomina como Anjo da Paz – ou Anjo de Portugal. Na medida em que a história vai se espalhando, dezenas de fiéis vão surgindo na aldeia pedindo aos Três Pastorinhos – como as crianças ficaram conhecidas – para que rezem pelo fim do sofrimento das famílias. Enquanto isso, o governo secularista, a igreja católica e inclusive a devota mãe de Lúcia se recusam a acreditar nas crianças e tentam forçá-las a encerrar esse assunto de vez.
O enredo de Fátima segue uma linha de raciocínio já conhecida em filmes que relatam acontecimentos supostamente reais. Alguém de fora "entrevistando" a protagonista para entender melhor como aquilo se desenrolou, se alternando entre passado e presente – neste caso entre 1917 e 1989. Vemos bastante da trajetória dos Pastorinhos. Como eles lidavam com a chegada dos peregrinos cristãos e como espalharam as mensagens de Nossa Senhora.
Algumas vezes, somos transportados para diálogos entre os personagens de Harvey Keitel e Sônia Braga. De longe, é a melhor parte do filme. Vemos uma discussão interessante sobre fé, crença e ceticismo, com ambos os personagens apresentando argumentos consistentes, acompanhados de boas performances dos atores. Infelizmente, é algo que dura muito pouco, ou melhor, quase não dura.
O que vemos na maior parte do tempo é uma história se desenrolando da forma mais básica possível, sem se aventurar em temas ou subtextos que poderiam ter mais espaço. Deu para perceber que o filme quer muito trazer discussões sobre fé, abuso de poder, humanidade, ingenuidade, esperança e por aí vai. Entretanto, nada se sobressai. O enredo estaciona no básico, ou seja, se preocupa apenas em mostrar os acontecimentos conforme Lúcia vai explicando.
Para os não-cristãos ou quem não possui familiaridade com histórias como essa, o filme provavelmente vai passar batido, pois não apresenta nada de muito relevante na narrativa em si, nem nos personagens e muito menos em questões técnicas de cinema. No máximo, será possível achar um ou outro personagem carismático e algumas cenas aqui e ali mais interessantes.
O que mais vale a pena ressaltar são algumas atuações. Sônia Braga e Stephanie Gil, que representam Lúcia em diferentes fases da vida, entregam bem os respectivos papéis, assim como as outras crianças. O maior destaque, no entanto, vai para Ana Lúcia Moniz, que interpreta Maria Rosa, a mãe de Lúcia que não acreditava nas crianças e evitava ao máximo que a filha tivesse contato com os fiéis, desempenhando uma função de "vilã" junto ao padre e o prefeito da cidade. Maria Rosa é um exemplo de personagem que poderia ter sido explorado de diferentes formas, mas ficou no superficial assim como o resto.
Resumidamente, Fátima: A História de um Milagre é mais um filme de nicho, assim como outros do gênero. Os acontecimentos reais por trás da trama podem atrair mesmo quem não entende do assunto, mas são retratados de maneira tão simples que pode ser difícil prender a atenção de todos que forem assistir, mesmo com algumas boas atuações. Apesar disso, quem conhece histórias como o Milagre dos Pastorinhos ou quem se interessa pela religião cristã, o filme pode ser um prato bem servido.
Certamente o filme se reconcilia com sua própria estética frustrando os apreciadores de filmes que tratam de simbiontes do espaço sideral ou agentes secretos que quase duram para sempre ! O filme é uma obra de arte sobretudo por nos permitir imaginar conforme nossas experiências de vida, momentos íntimos sobre tudo aquilo que pode ser ou não ser, sem a patética interferência de efeitos visuais elaborados, que impõem unilateralmente uma interpretação como num game. Além do mais, ver Sônia Braga atuando é sempre um êxtase e um orgulho para quem aprecia o cinema raiz e não o besteirol enlatado que nos invade por todas as salas de exibição.