Cinema é a arte de contar histórias. Ponto final. Por meio de uma série de recursos visuais e até sensoriais, um filme consegue provocar sentimentos e reflexões, extrapolando o espaço limitado de uma tela de cinema, de tevê ou até de celular. Mas e quando não há história? O que acontece quando não se preocupa com isso? Um exemplo prático é o novo filme Farol da Ilusão.
Estreia na Netflix desta sexta-feira, 24, o longa-metragem é o típico exemplo de cinema sem propósito, sem objetivo e sem a consciência do que é ser cinema. Dirigido pelo americano Matty Brown, mas com personagens árabes, o longa fala sobre uma família de pai, mãe, filha e filho que vivem sozinhos em uma ilha. Estão ali perdidos, esperando que, enfim, o encontrem ali.
Farol da Ilusão parte desse cenário para falar sobre... o que, exatamente? Difícil dizer, ainda mais que o longa-metragem é, basicamente, um exercício cansativo de repetição da metáfora.
Produção original da Netflix, o filme não está preocupado em contar uma história, em desenvolver corretamente seus personagens ou sequer criar uma boa ambientação -- a tal ilha é mal aproveitada do início ao fim, com Brown quase com medo de filmá-la e entregar demais.
A vontade de fazer cinema, aqui, passa longe. O cineasta está preocupado, na verdade, em fazer metáforas, reviravoltas e grandes sacadas. Durante 75 minutos, a produção trabalha em prol de uma ideia que o cineasta guarda em sua mente, quase como um segredo, enquanto persegue desesperadamente a ideia de surpreender o público nos últimos 25 minutos. Nada além.
Afinal, Matty Brown parece pensar que o cinema se restringe à ideia. Mas isso não poderia ser mais equivocado. Uma história, obviamente, não precisa ser clara, linear, padrão. Há experimentalismos que funcionam ao diluir uma história e transferir, ao espectador, diferentes sentimentos e sensações -- ora, só ver o cinema do cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard.
Mas, de novo, precisa ser mais do que uma ideia. Precisa ter mais do que um único desenvolvimento. E é isso que Farol da Ilusão não faz. Inevitavelmente, o longa-metragem se torna refém de si próprio, sem ideias ou discussões relevantes. A surpresa é o objetivo final, não a história, tentando fazer com que o espectador leve com si apenas a surpresa da revelação e a tristeza acarretada com ela. Ideias? Reflexões? Provocações? Absolutamente nada surge disso.
O elenco, que inclusive conta com a também cineasta Nadine Labaki como a mãe, parece estar tão perdido quanto o público. Estão tristes e desesperados o tempo todo, sem realmente compreender como aquilo vai avançar além da ideia da "grande revelação" guardada por Brown.
Pior: o drama de milhares de famílias árabes ao redor do mundo é diminuído para isso. Não há contexto, não há política: é a utilização do drama dessas pessoas apenas para uma reviravolta.
Difícil pensar em um filme com tão poucas qualidades, quase escapando da própria concepção do que é cinema. E a Netflix continua produzindo filmes descartáveis, que só desaparecem, como castelos de areia, quando a maré avança e engole o que ninguém lembrou de levar.