Que grata e inesperada surpresa é o longa-metragem A Pedra da Serpente, filme em cartaz no Cinemark desde a última terça, 13, pelo Projeta às 7. Afinal, a produção começa como um drama banal, quase sonolento. Mas aos poucos, vai ganhando um aspecto fantasioso original que envolve autodescoberta, busca pelo passado e.... alienígenas. Isso mesmo: indo além das convenções padrões do gênero de terror e fantasia nacional, A Pedra da Serpente se arrisca em searas ousadas. E acerta.
Dirigido pelo estreante em longas Fernando Sanches, o longa-metragem mergulha na história de Joana (Claudia Campolina), uma mulher estressada, passando por um momento ruim em sua vida, que decide largar tudo e passar uns dias descansando na região da Pedra da Serpente, em Peruíbe. A área -- na vida real, inclusive -- é conhecida por conta de aparições de Objetos Voadores Não Identificados (OVNIs) e outras coisas do gênero. É a deixa perfeita para a personagem se envolver com coisas assim também.
Inesperado, A Pedra da Serpente tece um drama aparentemente banal sobre uma mulher enfrentando problemas cotidianos e a recuperação de uma gravidez perdida -- algo sério, claro, mas clichê no cinema. A coisa fica interessante, porém, quando Sanches assume o aspecto de thriller com o sumiço de um homem da região, marido da humilde Maria (Gilda Nomacce). Nesse ponto, o filme começa a pegar fogo e é difícil não desgrudar na tela. Afinal, tudo se junta: suspense, drama e, é claro, fantasia alienígena.
Seria muito fácil a produção cair na bobagem de ser mais do mesmo, na piada ou, ainda, no óbvio de enfiar uma crítica social extremamente pujante como fizeram Marco Dutra e Juliana Rojas em As Boas Maneiras, Trabalhar Cansa e afins. Neste último caso, o resultado ainda assim poderia ser interessante, mas pouco original. O grande acerto em A Pedra da Serpente é que ele se assume como filme de fantasia e se aprofunda em na interessante mitologia do litoral do País. Faltam filmes assim e sobram histórias.
Duas coisas além também elevam o nível da produção. Primeiro a fotografia, que ajuda a conduzir a história e cria o clima. O tom esverdeado ao final da trama é no ponto. A outra observação positiva é o elenco. Claudia Campolina (O Negócio) surpreende em seu primeiro grande papel. Falta uma coisa aqui e outra ali, mas ela segura a barra. Interessante se ser observada. No entanto, a alma do filme é Gilda Nomacce (Trabalhar Cansa). Mesmo aparecendo apenas no terço final, ela rouba a cena e mostra como é uma grande atriz. Merece ainda mais destaque do que recebe. Sobra talento em Gilda.
Pena, porém, que o roteiro peque em alguns aspectos. Primeiro: a história é corrida demais. Demais! O filme tem apenas 75 minutos. Poderia ter 90 com tranquilidade. Com isso, algumas coisas ficariam bem menos corridas, como a estabilização da protagonista na cidade interiorana e a própria história da personagem de Nomacce. Não deu pra entender isso. Outra coisa: o final se alonga um pouco mais do que deveria. É interessante o tom fantasioso que é totalmente assumido na última cena, mas pode ser um pouco demais. Teria sido interessante parar antes e deixar tudo na mera sugestão.
Ou, então, o filme deveria ter se expandido em criado uma mitologia forte, com raízes -- e que até poderia ser aproveitada depois. Ou sugere ou aprofunda. Sem meio termo. Um twist no meio da trama, envolvendo o marido de Maria, também é fraco. Parece que surgiu ali só pra validar uma atitude da personagem. Seria melhor a dualidade.
Mas tudo bem. O que vale, em A Pedra da Serpente, é sua originalidade, a coragem da produção. É preciso de mais filmes que valorizem a mitologia brasileira -- seja o folclore, histórias urbanas, mitos rurais. O Brasil enorme. Não é preciso ficar correndo atrás da criação de grandes franquias, de personagens estrangeiros. Ainda há muito a ser contado no cinema brasileiro sobre os brasileiros. A Pedra da Serpente é um exemplo disso. Bem dirigido, bem atuado e bem fotografado, o longa é uma lição de que a cultura popular brasileira também pode se tornar uma história deliciosa de assistir.
Se você não tem preconceitos com isso, ou quer quebrá-los, é essa chance. O cinema nacional está se abrindo para a fantasia e a sensação é de que não vai mais parar.
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