Esqueçamos, por um momento, as inúmeras críticas feitas a Esquadrão Suicida. Sabemos que Margot Robbie fez um ótimo trabalho dando vida a vilã Arlequina. Até então, no hype das conversas sobre cinema, imagino que seja natural ligar o nome a pessoa: Margot se tornou Arlequina e Arlequina se tornou a personagem de Margot.
Agora deixa para lá tudo o que você viu a loira fazer nas telonas. Eu, Tonya nos entrega uma Margot para ser vista com outros olhos. Uma Margot digna de Oscar. Uma Margot que a Academia vai se lembrar. No longa protagonizado por ela, a história gira em torno da biografia de Tonya Harding, uma patinadora artística americana que viu sua carreira chegar ao topo e depois, ao fim, graças a sua estreia nas páginas policiais por um crime cometido não diretamente por ela.
São tantos e enormes os acertos do filme que fica difícil organizá-los em certa ordem. Eu, particularmente, aprecio muito obras biográficas, ainda mais quando elas vêm acompanhadas de alguns takes originais antes dos créditos subirem. Eu, Tonya nos dá esse gostinho e afirma, ainda mais, o brilhantismo da atriz protagonista em dar vida a figura real da patinadora. O filme é, claramente, uma representação fiel da bagunça, sucesso e obstáculos enfrentados pela figura real da atleta.
Voltando ao começo do filme, é espetacular a forma como o elenco conseguiu despertar no espectador as duas sensações mais presentes na vida de Tonya: orgulho e medo. Casada com um homem abusivo e dona de um dom sem igual, a vida da esportista foi dividida entre seu lado pessoal extremamente abalado, instável e medonho e a vida profissional, quase que sempre muito bem-sucedida. E é isso que sentimos conforme vamos conhecendo a Tonya de Margot Robbie nas telonas. De um lado, um orgulho que diverte e nos deixa maravilhados durante os momentos que a vemos patinar para multidões em arenas enormes e medo, quando a vemos contracenar com o marido, responsável por seus roxos no corpo e, mais para frente, pela queda de sua carreira.
A própria realidade vivida por Tonya torna sua história adaptada para os cinemas algo incrível. Ouso a dizer que em tempos de feminismo, é frustrante ver toda sua história no gelo se desfazendo pelo descontrole de um parceiro que julgava saber o que era melhor para ela. É assim que ele, controlador, arquiteta um plano que acaba dando errado e resulta no fracasso de sua mulher. Aqui poupo os detalhes para aqueles que, assim como eu, foram assistir ao filme sem saber exatamente quais eram os detalhes dessa passagem criminal da atleta. O filme mantém bem esse suspense e quero que vocês, leitores, o vivam. Neste momento de clímax, nos deparamos com uma figura que viveu, ainda que em tempos passados, todas as mazelas de ser mulher e o ponto mais marcante do longa é nos entregar tudo isso sem tirar nem pôr, escancarando a realidade
Lotado de humor negro, Eu, Tonya são duas horas de puro entretenimento. É o tipo filme que espanta o sono e nos impede de dar aquela desviadinha para o WhatsApp no celular. Ainda que nenhum personagem esteja à altura da interpretação de Margot, todos os nomes da trajetória da patinadora são apresentados com maestria. Até mesmo a mãe de Tonya, que naturalmente nos desperta certo pavor por ser uma péssima e agressiva mãe, nos arranca risadas com seu jeito ogro de ser. E, em meio a momentos tortos de comédia, refletimos sobre as questões que cercaram a vida real de Tonya. Percebemos que as más decisões de Tonya são muito enraizadas em sua família desmoronada e a ausência de uma mãe presente e disposta a amá-la e orientá-la incondicionalmente. É o equilíbrio perfeito de sensações.
Apesar da história repleta de quedas, literais e não literais de Tonya Harding, Eu, Tonya é o que saiu de bom de tudo isso. E Margot Robbie transforma, com louvor, toda a tragédia pessoal de Tonya em um triunfo das telonas.
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