No começo de Eu Não Sou um Homem Fácil, produção francesa que teve seus direitos adquiridos pela Netflix, fica a sensação de que uma comédia irá se desenrolar na tela. Mas nada disso. Ainda que o longa de Eleonore Pourriat (do curta Maioria Oprimida), cause riso, essa não é sua finalidade. É apenas um meio para provocar, ousar e tirar a audiência da zona de conforto.
A história começa mostrando a vida de Damien (Vincent Elbaz), um homem charmoso e que pensa que os homens são o centro do mundo. Não é á toa que ele não perde tempo em passar cantada em mulheres, fazer piadas misóginas e, inclusive, criar um aplicativo para que homens tenham controle sobre quantas mulheres foram conquistadas ao longo de suas vidas sexuais.
A coisa muda de figura, porém, quando Damien bate a cara num poste e o mundo vira do avesso. Nesse lugar, quem manda são as mulheres. Elas detém os cargos de poder, elas que possuem liberdade sexual e são elas que determinam a ordem das coisas numa sociedade que deixa os homens em cargos menores, com desfavorecimentos e dificuldades em tomar atitudes.
A partir daí, a diretora cria um cenário complexo pra inserir Damien, deixando-o desconfortável e estranho com o mundo ao seu redor -- algo que ele provocava às mulheres antes de bater a cabeça. É um roteiro, então, que se reveste de comédia para usar o riso como forma de provocação à audiência. O espectador ri da situação , mas logo vê que é algo real na sociedade patriarcal.
A premissa também tem um desenvolvimento inicial certeiro -- que reverbera, aliás, em tramas como Se Eu Fosse Você e até o ótimo A Cor da Fúria, aquele ótimo e subestimado filme com John Travolta. O personagem de Damien vai tentando se adequar às novas regras, mas não deixa de questionar e se rebelar -- virando um "machista", como dizem. É um estranho no ninho que, afinal, busca igualdade. Irônico, não?
As atuações também colaboram -- e muito -- para a perfeita criação do ambiente às avessas que é proposto. Vincent Elbaz (A 100 Passos de um Sonho) é charmoso e consegue entregar o que seu personagem exige. A estreante em longas Marie-Sophie Ferdane não consegue dominar a tela, como em alguns momentos deveria, mas se sai bem. Pierre Bénézit, que faz um amigo de Damien, está ótimo. Causa riso fácil enquanto mostra fortes provocações.
Só que o filme, infelizmente, acaba indo por caminhos tortuosos. Obviamente, ele não poderia levar 90 minutos de projeção apenas com o estranhamento de Damien frente à nova sociedade. Por isso, acaba criando uma relação entre Damien e a personagem Alexandra (Ferdane), uma escritora premiada. E é nessa relação que fica o calcanhar de aquiles da produção: ela acaba se arrastando na tela, tirando um pouco da força provocativa da trama, enchendo-a de elementos maniqueístas e que não vão de acordo com o que tinha sido visto até então.
Além disso, com o tempo, Eleonore Pourriat vai perdendo a mão em algumas provocações feitas. Ao invés de usar o riso como meio de provocar, a comédia acaba acertando no vazio. Há algumas cenas exageradas, que claramente não possuem um bom embasamento por trás -- ao contrário, por exemplo, da questão de depilação masculina, do pole dance com homens ou, até mesmo, o uso de roupas invertido. É uma pena, já que a provocação acaba caindo por Terra.
Felizmente, porém, o final eleva o tom da narrativa com um desfecho instigante. Difícil adivinhar que Eu Não Sou um Homem Fácil iria por esse caminho. Mas, pelo menos, o longa consegue recuperar a provocação ácida que o permeou, mas que acaba desacelerando no final do segundo ato e início do terceiro. Ainda assim, é um filme interessante, ousado e muito provocativo, que se torna urgente e necessário numa sociedade que, cada vez mais, não sabe se pôr no lugar do outro.
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