O suspense francês Estranhos em Casa, que acaba de chegar no catálogo da Netflix, foi filmado quase que ao mesmo tempo que Parasita, filme coreano vencedor do Oscar em 2020. Por isso, não dá para dizer que houve uma inspiração direta ou algo do tipo. Mas é inegável que este novo filme do cineasta Olivier Abbou é como um Parasita do horror. Com mais violência e carnificina.
Na trama, que é baseada em fatos reais, o casal Paul (Adama Niane) e Chloé (Stéphane Caillard) voltam de férias com o filho, após duas semanas, e encontram sua casa tomada. A babá e o marido, que ficariam na residência nesse período de férias, usaram uma brecha na lei e a tomaram para si. Dizem ser os inquilinos. E, com isso, Paul e Chloé não podem voltar pra casa.
Isso é a deixa para que Abbou explore, como fez em Territórios, os limites da tensão social, da questão de propriedade e, também, faça um mergulho na fragilizada figura do protagonista. É um caldeirão de emoções e sentimentos, amplificados pela angústia natural da história. Afinal, que maluquice! De uma hora pra outra, você não poder nem ao menos entrar na sua casa.
Assim, os primeiros trinta minutos são excepcionais. Boa premissa, Niane e Caillard bem em cena. Difícil o espectador não ficar revoltado com o que acontece. No entanto, depois disso, vem a primeira mexida no roteiro de Abbou e Aurélien Molas. O protagonista, que guarda frustrações, começa a ver seu interior despertar. Sente que precisa se libertar, fazer algo, romper amarras.
A partir disso, Abbou expande a história também para uma tensão racial e um mergulho psicológico completo. Quase como um Corra!. É uma camada a mais na história, que dispersa um pouco a partir da tentativa de retomada da casa. Sem dúvidas, parte do público vai começar a perder o interesse aqui. Coisas demais rolando na tela e a premissa vai sumindo aos poucos.
Por fim, porém, vem a grande virada. Faltando uns 30 minutos para acabar a trama, Abbou e Molas bebem da fonte de Os Estranhos e transformam o filme num horror completo, com violência, tortura e outras coisas do tipo. É um embate direto com a primeira hora de projeção, que apostou mais num suspense psicológico com fortes pegadas na teoria de John Locke.
E aí, novamente, acredito que parte do público se desinteresse pela história ou, até mesmo, se afaste pela trama visceral que se apresenta. É um caminho totalmente diferente do que o filme se apresenta no começo e, confesso, tenho minhas dúvidas se essa conclusão é realmente inspirada num caso real. Deve ter sido, talvez, apenas o complemento imaginativo do diretor.
Mas, ainda assim, apesar dessas duas viradas inesperadas de trama, Estranhos em Casa é um bom exemplar de cinema francês. Traz uma história interessante, que entretém, e que conserva algumas boas reflexões. Não chega a ser um Parasita, um Corra!, ou algo do tipo. Está mais para um Os Estranhos com um pouco mais de substância. Diversão correta no catálogo da Netflix.
Comentários