Logo na primeira cena de Ervas Secas, premiado drama turco que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 14, vemos um homem caminhando longamente em um lugar tomado pela neve. Tudo é branco e quase dá para sentir o frio atravessando a tela.
O homem, como descobrimos logo depois, é Samet (Deniz Celiloglu), professor de uma pequena escola fundamental no interior da Turquia. Quando atravessa esse mar gelado, os alunos celebram seu retorno depois das férias. Um professor querido, então?
Nada disso. Como o celebrado cineasta Nuri Bilge Ceylan vai mostrando ao longo das mais de três horas seguintes, Samet é um homem desprezível. Está ali forçado – por ele, estaria em Istambul, capital do país, longe daquele “buraco”.
Diz isso sem nunca pensar duas vezes. Na frente dos amigos, do dono do bar, dos colegas da escola, dos alunos. Está sempre se colocando em primeiro lugar, deixando os sentimentos dos outros para trás. Afinal, Samet pode ir embora. Mas e aqueles com pais idosos por ali? E aqueles que são tão pobres que nem têm trocados para comprar sapatos?
Conflitos sociais
Ervas Secas, assim, se revela como um potente drama em que mostra essas diferenças de forças que existem na sociedade turca e que, mesmo no embate indireto, atrapalham as relações, diminuem as pessoas e inviabilizam saídas.
É um caminho diametralmente oposto dos filmes “sobre professores” que vemos por aí nos últimos tempos. Não há a graça inspiradora de Os Rejeitados, tampouco a força moral (e moralista) de A Sala dos Professores, drama alemão indicado ao Oscar. Passa longe de outros clássicos, como A Sociedade dos Poetas Mortos, Ao Mestre com Carinho e afins.
O professor, aqui, é aquele que não pensa na evolução ao seu redor, mas sim nos seus próprios avanços. O egocentrismo é a pauta. As diferenças sociais movem os conflitos.
Uma virada narrativa – mas nem tanto assim
E quando menos esperamos, Ervas Secas ganha uma intensidade narrativa de um thriller – ainda que Ceylan nunca abrace o gênero. O professor, tão detestável, é acusado de ter uma conduta imprópria com uma aluna.
O filme, então, passa a cozinhar esse acontecimento. Nada brutal, nada chocante. Apenas vemos Samet remoendo aquele ódio, planejando vingança, buscando culpados.
"A verdade é tão brutal quanto entediante", diz ele em determinado momento. Esse é o ponto central de todo o filme: há uma brutalidade angustiante na forma que acompanhamos aquele homem desprezível em nosso caminho, assim como tudo ali é entediante. Afinal, é a verdade que o cineasta encontrou para contar sobre seu país.
A última hora do filme, assim, é inacreditável – de tão boa, de tão intensa, de tão potente. Com o perdão pelos adjetivos, é difícil colocar em palavras, sem ser sutil, o que Ceylan faz.
Ao contrário de alguns outros filmes do cineasta, que buscam encerrar em pontos positivos, Ervas Secas termina em um mar de angústia.
Ceylan parece não ver saída para a sociedade turca. Sua vida está em conflito, as pessoas não se entendem. E o que sobra? Um deserto dentro do peito, que no máximo se transforma para uma paisagem nevada, e que nunca encontra solução. Filmaço.
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