Entre 1979 e 2015, com o objetivo de conter o crescimento populacional, a China implementou uma lei que só permitia apenas um filho por família. Por conta disso, nessa época centenas de milhares de pais e mães se viram obrigados a darem seus filhos, a maioria meninas, para adoção no exterior. Portanto, milhares de meninas chinesas, principalmente nascidas nos anos 2000, cresceram longe de seus pais biológicos e de seus costumes.
A história de Encontradas, documentário da Netflix que estreou nesta semana, dia 20 de outubro, explora o quanto a política do filho único afetou milhares de famílias e como foi para essas crianças crescerem longe de sua cultura nativa.
Dirigido por Amanda Lipitz, o documentário foca em três meninas: Sadie, Lily e Chloe, chinesas de nascença criadas por famílias norte-americanas. Um dia, elas se conhecem em uma rede social e descobrem que são primas da mesma família biológica. No entanto, ninguém sabe quem são seus pais. Quando bebês, as três foram deixadas dentro de caixas em calçadas movimentadas, para que alguém as encontrassem e levassem aos orfanatos. Sendo assim, não se faz ideia quem são seus verdadeiros pais. Encontrá-los seria igual tentar achar uma agulha no palheiro.
Contudo, quando as três se conhecem, elas se motivam umas às outras a tentarem descobrir quem são os pais biológicos. Suas famílias de criação, dos EUA, são à favor dessa decisão e encorajam suas filhas a irem atrás de suas origens. Foi interessante ver, logo no início, o quanto as famílias adotivas apoiam as meninas. Cada uma incentiva suas filhas a terem contato com a cultura de nascença, e quando chegou a hora delas quererem conhecer suas verdadeiras famílias, ninguém hesitou, muito pelo contrário.
A partir daí, acompanhamos as meninas em busca por respostas, com o auxílio de uma jovem chinesa, que também sofreu o mesmo destino das meninas. Seu trabalho é ajudar famílias a encontrarem seus filhos, e vice-versa, a partir de testes genealógicos.
A jornada dessas meninas em Encontradas foi muito bem comandada por Amanda Lipitz. Somos conduzidos por uma história que retrata as imensas dificuldades de se inserir em uma cultura oposta, sobretudo o árduo processo de identificação. Sadie, Lily e Chloe foram educadas como americanas brancas, cresceram como tal, mas elas percebem que não são. Ao mesmo tempo, no entanto, também não se identificam como asiáticas. Existem muitas lacunas, muitos questionamentos e diversas dúvidas sobre suas verdadeiras identidades. "Ainda estou descobrindo quem eu sou", diz Lily.
Com muita sensibilidade, Lipitz nos mostra o cotidiano das três. Desde as relações com família, amigos e estudos até suas percepções sobre Deus e religião. Como se fôssemos parte da família, entramos na vida dessas meninas para não sair mais. Em muitos momentos, seus relatos são de encher os olhos de tão conectados que estamos. A diretora faz questão de mostrar as dificuldades dessas meninas em lidar com suas diferenças físicas frente a uma comunidade inteiramente branca.
Além disso, também somos mostrados o outro lado da moeda. Somos apresentados a algumas famílias que fazem de tudo para encontrar seus filhos. Afinal, muitas se viram sem saída na época, sendo praticamente obrigadas a colocarem seus filhos para adoção. A dor e o sofrimento perduram até hoje em pais e filhos que não conseguiram se encontrar.
Encontradas se mostra um documentário bastante comovente. É difícil não se emocionar com as meninas, suas histórias de vida e as inúmeras dificuldades que tiveram – e ainda possuem – sobre aceitação, identificação de valores e conexão cultural. Apesar de deixar o foco se esvair em algumas ocasiões, a diretora Amanda Lipitz nos entrega uma olhares profundos sobre as angústias causadas pela política do filho único.
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