A Netflix, geralmente, decepciona em suas produções originais de longa-metragem, na maioria dos gêneros. Mas foi difícil não ir com sede ao pote no filme Durante a Tormenta, lançamento desta sexta-feira, 22. Afinal, a produção original conta com dois selos de bom entretenimento. O primeiro é o fato de ser um produto espanhol da Netflix. Sem dúvidas, o responsável por originais do País europeu é muito mais competente do que seus pares de outros lugares do mundo -- só ver produções como La Casa de Papel, Árvore de Sangue, As Telefonistas. O outro fator é o diretor, Oriol Paulo, que tem uma filmografia impressionante com longas como Um Contratempo e El Cuerpo.
E, felizmente, Durante a Tormenta não decepciona. A trama começa com um garoto que descobre, lá na década de 1980, um assassinato. Na ânsia de fugir do criminoso, ele acaba sendo atropelado e morto. Logo depois, a película dá um salto e vai diretor para os tempos atuais. Na mesma casa que morava o menino, agora vive uma família feliz. O pai (Álvaro Morte, de La Casa de Papel) é um competente empresário, a mãe Vera (Adriana Ugarte) se destaca como enfermeira num hospital e ambos amam a filha. As coisas mudam de figura, porém, quando uma tempestade elétrica causa um evento.
Do nada, Vera cria um canal para a década de 1980, no mesmo dia em que o garotinho, do começo do filme, é morto. Sabendo da história, e de seu trágico final, a protagonista acaba se vendo na obrigação de salvá-lo. O que ela não sabe, porém, é que isso irá causar uma grande alteração na realidade que ela conhece e fará com que a sua filha não exista mais. A partir disso, Vera precisará se desdobrar para fazer com que a realidade volta ser como era antes, sem ter que sacrificar a vida do pequeno atropelado.
Tramas de viagem no tempo, obviamente, não são uma novidade. É algo que é imaginado desde o início do cinema e serve como base criativa para vários filmes de fantasia e ficção científica. E claro, dentro dessa possibilidade há vários que falam de paradoxos temporais. Durante a Tormenta não é o melhor dessa temática, tendo filmes mais competentes como Efeito Borboleta, O Predestinado e Questão de Tempo. Mas não fica muito atrás. A trama, escrita pelo próprio Oriol Paulo e por Lara Sendim (El Cuerpo), é ousada, esperta, surpreendente e complexa de uma maneira muito, muito inteligente.
Para isso, a dupla de roteiristas vai criando camadas de história. Como nos bons filmes de viagem temporal, as coisas não acontecem simplesmente. Elas vão gerando consequências e que, ainda que complexas, fazem sentido no panorama geral -- se fizer uma tabela para ir acompanhando os acontecimentos e mudanças, tudo encaixa e faz sentido. É um trabalho apurado de construção narrativa, que permite ensejos de reviravoltas cabíveis e que deixam qualquer um surpreso. Difícil não ficar chocado. Só não é melhor por conta de algumas facilitações narrativas bem óbvias, como momentos que são absolutamente inexplicáveis, mas resolvidos apenas com uma cena ou fala.
Felizmente, o filme também é feliz em outros pontos técnicos. A ambientação é muito boa, principalmente a da década de 80. A fotografia, que muda de acordo com a época, também ajuda o espectador a se situar. Oriol Paulo, novamente, faz um excelente trabalho na direção, preparando terreno para surpreender o espectador -- mas a reviravolta de El Cuerpo ainda é a melhor de sua carreira. Sem dúvidas, ele é M. Night Shyamalan espanhol. Não há outro cineasta que saiba chocar e surpreender assim.
O elenco também acompanha, ainda que tenha um problema aqui ou acolá. Adriana Ugarte (Julieta) está ótima como protagonista e eleva a qualidade do filme, diferenciado-o de produções similares e de qualidade bem menor -- como A Morte te Dá Parabéns e a série Boneca Russa. Morte está bem, ainda que tenha um papel bem mais restrito. A ótima Belén Rueda (El Cuerpo), infelizmente, faz apenas uma participação especial. E Chino Darín (Uma Noite de 12 Anos), apesar de ser um bom ator, está bem apático ali.
Assim, Durante a Tormenta é um filme de trama forte, inteligente, interessante. Fazendo jus ao tema de viagens e paradoxos temporais, o longa-metragem não reinventa a roda, e fica até abaixo de outros exemplos temáticos -- sem falar do exagero de duração, com 130 minutos. Mas, ainda assim, é um filme que deve surpreender e agradar quem assistir, já que é uma produção que vai além de uma boa história. É bem feito, bem atuado, bem dirigido. Mais um acerto na carreira de Oriol Paulo e da Netflix da Espanha.
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