Miguel Moreira, conhecido carinhosamente como Djon África, é filho de cabo-verdianos, mas nascido e criado em Portugal. Movido pelo desejo de conhecer a verdadeira identidade de seu pai, ele decide partir para seu país natal e, mesmo com pouquíssimas referências, se reconectar com suas raízes. Lá, porém, ele precisará se virar como pode para encontrar informações sobre a sua família e sobreviver ao cotidiano do País.
Djon África, ainda que tenha um ritmo muito particular, obedece aos preceitos do road movie. Assim como On The Road, Central do Brasil e, mais recentemente, Ella e John, há a clássica estrutura narrativa: um personagem que sai do conforto de seu lar para alcançar um objetivo e que, durante a jornada, conhece pessoas e passa por situações que o transformam. É um processo característico do subgênero e que funciona em partes no longa comandado por Filipa Reis e João Miller Guerra (do fraco Cama de Gato).
O processo de descoberta de Djon no seu país de origem é bonito de ver e encanta pela simplicidade de seus atos e sequências. Com roteiro escrito por Guerra e por Pedro Pinho (A Fábrica de Nada), o filme passeia por costumes cabo-verdianos e pelo clima do País. É interessante, também, ver a relação de Miguel com o local, já que ele possui um afastamento por ter nascido em Portugal, ao mesmo tempo que conta com vínculos pelas raízes familiares fincadas no País. É um desenvolvimento que lembra o de Central do Brasil.
A direção de Guerra e Reis busca, assim como no neorrealismo brasileiro, valorizar as situações corriqueiras e a naturalidade dos atos do protagonistas -- um não-ator, como é comum nesse tipo de produção. Estreante na sétima arte, Miguel Moreira consegue criar uma boa figura em frente às câmeras e, apesar de certa timidez inicial, a vence com louvor. Com certeza há espaço para ele, se assim o quiser, no cinema internacional.
O clima criado pela película também ajuda a fazer com que o espectador entre de cabeça nessa história de redescoberta familiar e interior. A trilha sonora, formada por músicas típicas de Cabo Verde, é deliciosa de se ouvir: há canções com batida eletrônica, sambas, canções populares. É uma mistura interessante e que, junto à fotografia vibrante de Vasco Viana, cria contrastes e vivacidades essenciais ao road movie.
No entanto, Filipa Reis e João Miller Guerra decidem, no ato final, não ficar num lugar confortável e experimentam. Experimentam narrativamente, experimentam na técnica usada. E o resultado, antes extremamente satisfatório, acaba por se tornar irregular, como numa nota azeda. Uma trama envolvendo uma senhora idosa, que pede ajuda à Miguel, é cheia de meandros, interpretações, possibilidades. Mas termina de maneira preguiçosa e sem muito engajamento por parte de direção e, principalmente, roteiro.
Há, também, uma confusão entre o limite de documentário e ficção -- como no recente Ex-Pajé. Alguns planos demoram mais do que o necessário, outras situações são criadas sem um contexto firmado narrativamente. Fica cansativo, apesar dos parcos 90 minutos.
A conclusão do personagem de Miguel também parece apressada e há um fato inédito inserido de última hora que, de certa maneira, parece um artifício barato para fazer com que o público compre aquele filme como sendo um road movie -- mesmo inconscientemente, é claro. É um desfecho interessante, em termos de narrativa, mas que não ajuda a criar um "clima de despedida" para toda a jornada de Miguel Moreira.
Djon África, assim, se constitui de um filme com coragem e com uma boa execução, ainda que um tanto preguiçosa em seu desfecho e com experimentalismo narrativos que acabam por tirar peso do filme como um todo. Ainda assim, é interessante conhecer road movies que expandam percepções, horizontes, ideias, pré-conceitos. E Djon África, mesmo não encerrando de forma feliz e eficaz, faz isso com louvor.
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