Joana (Jeanne Boudier) é uma adolescente, filha de brasileiros, que não tem nada de familiar com o Brasil. Seus pais se exilaram para Paris, na França, quando a perseguição política aumentou na Ditadura Militar. Agora, porém, a anistia e a promessa de uma abertura política faz com que a mãe de Joana, junto com o marido e os seus dois outros filhos, voltem ao Brasil. Mas nada será fácil. Afinal, a adolescente precisará lidar com um novo País e enfrentar o sumiço de seu pai durante a Ditadura Militar.
Esta é a trama de Deslembro, filme sensível da cineasta Flávia Castro (Diário de uma Busca) que se embrenha nos desafios da memória. E eles, aqui, são vários. É a memória fragmentada da jovem protagonista, que tenta entender o que houve com seu pai durante o período dos anos de chumbo, ao mesmo tempo que tenta recriar uma nova e difícil memória para si do novo lar. E a memória de seus dois irmãos, enquanto isso, trafega entre a dúvida e o medo para entender melhor o que vão enfrentar pela frente.
O filme trafega entre duas zonas: o poético e o dramático, que se juntam numa narrativa que imerge nesse tema tão delicado e difícil de retratar. Afinal, é simples mostrar alegria, tristeza, medo, surpresa. Mas como mostrara esse processo da reconstrução de memórias? É uma tarefa difícil que Castro consegue fazer com certa sensibilidade. Afinal, mais do que uma boa ideia inicial, Deslembro conta com uma fotografia interessante de Heloísa Passos (Mulher do Pai) e uma minimalista criação de época.
E este último ponto é altamente destacável. O longa é de baixo orçamento. Mas, mesmo assim, conseguiu trazer alguns elementos para a tela que surpreendem, como trilha sonora com Rita Lee e Noel Rosa, imagens de novelas da época e do programa Silvio Santos, e sem falar das roupas e da casa -- que é quase o único cenário, além da casa da vó e de cenas na praia, durante o filme inteiro. Castro, sem dúvidas, soube muito bem trabalhar o orçamento limitado e, ainda assim, criar um bom clima oitentista no filme.
O elenco, apesar de ser esforçado, funciona apenas em partes. Boudier, claro, é a que mais se esforça ali. Transita entre francês e o português com uma boa facilidade, e que impressiona. Mas quando chega a hora de atuar, a estreante nem sempre se sai totalmente bem. Há deficiências ali que não foram corrigidas. Os irmãos da protagonista no longa, interpretados pelos atores estreantes Hugo Abranches e Arthur Raynaud, também não brilham. Falta história para os dois. Só a veterana Eliane Giardini (Um Homem Só) que chama a atenção mesmo com roteiro limitado para sua personagem.
Assim, toda a força do filme -- que vem da ideia inicial, da boa ambientação, da fotografia e do talento de Flávia Castro -- se ancoram totalmente na personagem de Boudier. Se ela erra uma cena ou uma emoção, todo o esforço de produção vai por água abaixo. Afinal, o elo entre o filme e o público é a tela. São os atores. Eles dão a cara para a produção. E aqui, infelizmente, essa transição entre atrás das câmeras e frente das telas não é bem feita. Muito da produção se perde aqui e ali, em atuações mambembes.
Dessa forma, aos poucos fica evidente que o longa-metragem poderia ter expandido um pouquinho mais o roteiro para os outros personagens. A protagonista não possui o carisma e o talento necessários para fazer com que a história seja marcante como um Califórnia ou O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias. Deslembro, claro, é um filme bem feito, bem filmado e com boas intenções. A história e a ambientações são interessantes. Mas falta uma força interpretativa na tela. Talvez, mesmo Boudier sendo esforçada, tivesse sido melhor uma atriz com experiência na tela. O risco seria menor.
Ainda assim, vale ressaltar: é um bom filme para os que buscam produções da época da Ditadura e que foquem em crianças ou adolescentes. Há uma outra visão deles sobre o período. E, como sempre, vale a pena enxergar a História sob diferentes perspectivas.
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