Não é fácil misturar ficção e documentário. Nos últimos anos, o cinema brasileiro tem apresentado alguns bons passeios na fusão entre realidade e ficção com produções como Arábia, por exemplo. No entanto, que trabalho mais confuso e estranho é Currais, longa-metragem sob a batuta da dupla de diretores e roteiristas David Aguiar e Sabina Colares.
Primeiramente, o tema do documentário é interessantíssimo. Busca investigar a história dos campos de concentração que existiram, nos idos de 1930, no Ceará. A ideia era aprisionar e impedir que os "flagelados" chegassem à cidade de Fortaleza, capital do Estado. Militares e representantes da sociedade civil decidiram escravizá-los, legitimando os interesses da elite econômica por meio de políticas de repressão e higienização social. Um processo frio e forte.
No entanto, quase sem documentações sobre a história, Aguar e Colares recorrem à essa mistura estranha de ficção dentro do documentário -- estilo trazido, principalmente, com uma atuação torta de Rômulo Braga como Romeu. Numa espécie de Nomadland, o longa-metragem coloca esse personagem de mentirinha conversando com pessoas reais sobre os tais currais.
Fica uma coisa estranha, modulando entre um artificialismo sem sentido e algumas verdades dolorosas. A coisa não encaixa. Não vai pra frente. Parece que estamos vendo um grande trabalho de pesquisa, para assim fazer um documentário, e ainda por cima ficcionalizado nos piores momentos possíveis. A sensação, por mais estranha que pareça, é que é um filme sobre uma pesquisa de campo. Já pensou, em algum momento de sua vida, ver um longa sobre isso?
Um assunto tão forte e potente se torna chato, maçante, estranho, artificial. Teria sido muito melhor adotar aqui uma escola Eduardo Coutinho de fazer documentários, com essas pessoas tão simples e verdadeiras no centro da tela. Ninguém quer saber desse tal Romeu ou de outros personagens ficcionais. Querem saber da História, das verdades, das mentiras, das memórias.
Assim, infelizmente, Currais fica devendo. A história proposta aqui é muito, muito mais interessante do que a execução em si, que deve afastar grande parte do público da História do Brasil -- seguindo um caminho contrário, por mais infeliz que isso seja, do que é esperado em um filme sobre algo tão pouco conhecido. Pena. Tomara que o tema seja retomado algum dia.
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