Logo no começo de Compra-me um Revólver, o diretor Julio Hernandez Cordón (Te Prometo Anarquia) deixa claro o que está acontecendo na realidade criada pelo filme. As milícias tomaram conta do México -- e do mundo, talvez. Por conta disso, e de outros fatores não explicados, as mulheres começaram a ser mortas e a população começou a decair. Logo, uma distopia, sem data exata. No centro disso, um pai e uma filha. Ele (Rogelio Sosa) é viciado em drogas e responsável por um campo onde os milicianos vão treinar. Já ela (Matilde Hernandez) precisa esconder o gênero para evitar o destino.
A trama, escrita e dirigida por Cordón, começa muito bem. Afinal, a ideia do longa-metragem é realmente muito boa. Cria-se uma distopia que dialoga com aparatos sociais de toda a América Latina, indo além do México. É possível reconhecer problemas brasileiros na trama da menina Huck e do pai Rogelio, ainda que a questão do narcotráfico seja um problema central nas questões políticas e sociais do México. O fato do diretor não explicitar a data dos acontecimentos ajuda a aumentar o desconforto positivo que se tem com os fatos que se desenrolam. É, sem dúvida, uma ideia ótima.
O cineasta também acerta ao trazer elementos fantasiosos para a trama e temperar a noção de que se trata de uma distopia -- mesmo fugindo dos clichês do gênero, como as tecnologias avançadas e o cenário ianque. Aqui, o onírico está na fumaça roxa que sai do trailer enquanto o pai usa drogas. Está nos amigos da protagonista, ao melhor estilo Conte Comigo, que surgem do nada e vão para o nada. Está nos corpos jogados ao chão, que se transformam em papelões pintados para mesclar violência e fantasia.
No entanto, apesar desses bons acertos iniciais e/ou esporádicos, Compra-me um Revólver possui um grave problema de roteiro nas mãos de Cordón. Esta ótima ideia é, aos poucos, desperdiçada. Afinal, o filme não avança na maioria dos assuntos que toca. Alguns dos arcos não se justificam. E, ao final, parece que o filme não avançou, não teve grandes transformações. Os dois protagonistas, por exemplo, só fazem besteira. Se não é a menina, é o pai. Ambos desrespeitam regras, não seguem o óbvio para sobreviver. Parece personagens num filme de terror qualquer, que querem levar susto do fantasma.
Além disso, muitas das coisas não possuem explicações. Não precisaria de didatismo, nem nada do tipo. Mas um norte ou um pincelada de história bastaria para fazer com que a trama ganhasse corpo. Por exemplo: o paradeiro das mulheres poderia ficar mais claro. Elas são mortas? Escravizadas sexualmente? De onde veio essa ideia de sequestrar todas essas mulheres? Mais: o protagonista, ainda que bem interpretado por Sosa, parece não ter objetivos. Algo poderia ser construído ao redor do personagem para que houvesse um ponto de chegada. Um final para o filme chegar. Ou não.
A sensação, na conclusão, é de que esta ótima ideia enfraqueceu ao longo de sua execução. Boas sacadas visuais e um bom argumento, porém, não fazem um filme bom. É preciso estofo. E aqui, com certeza, falta muito. Uma pena. Poderia ser um filmaço.
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