Todo mundo já ouviu falar que a palavra “saudade” só existe na língua portuguesa. E é verdade. Ainda que sua raiz esteja no termo “sauda”, que é árabe, não há outra língua que consiga representar o sentimento de sentir falta de algo ou alguém com apenas uma única palavra. E quando você a compreende, um mar de possibilidades se abre. Afinal, não é só uma nova expressão. É um sentimento. E é nessa interessante história que o documentário Saudade se aprofunda.
Dirigido pelo cineasta paraibano Paulo Caldas, do ótimo Deserto Feliz, o documentário tenta entender a influência da palavra “saudade” na vida das pessoas. Para falar sobre isso, ele conversou com dezenas de pessoas ligadas ao termo: Arnaldo Antunes, Marcos Fontes, Milton Hatoum, Ruy Guerra, Karim Ainouz, Deborah Colin e Zé Celso -- que dá o depoimento de maneira genial. Além de vários artistas portugueses que, claro, também tem a alegria de ter “saudade” no vocabulário.
Caldas, então, opta por um formato tradicional de documentário. São várias talking heads -- ou seja, cabeças falantes -- misturadas com cenas e intervenções artísticas. Há, também, um bom número de imagens artísticas que permeiam a obra e ajudam a dar a intensidade necessária -- há várias tomadas abertas de oceanos, remetendo à partida; e uma cena das ruas de São Paulo que emociona. É um formato tradicional, quase uma fórmula, que não cansa o espectador e funciona.
E veja: disse “quase uma fórmula”. Pois Saudade não se atém a algo pré-definido. Ainda que siga um caminho narrativo delimitado, o roteiro vai se perpetuando e se alargando. Começa de maneira simples, investigando o significado da palavra e sua origem, até chegar num momento de grande reflexão, quando Arnaldo Antunes diz que não existe “saudade”, mas “saudades”. É um artifício inteligente que faz a plateia ter a ânsia de ver tudo de novo para enxergar com novos olhos.
Caldas ainda é feliz pelos entrevistados, pouco óbvios. Apesar de uma derrapada aqui e outra ali, com uns depoimentos ocos, a maioria das entrevistas acrescenta algo à narrativa. O relato da alemã que aprendeu a palavra recentemente e o de Ruy Guerra, que diz ter raiva do termo, são ótimos. São pequenas participações que dão a tônica do filme e ajudam, com louvor, a deixar as reflexões marcadas em nossa memória. Vi o filme há semanas e ainda estou digerindo.
A quantidade de participações de cada um dos entrevistados também não é exagerada, impedindo que o documentário se torne cíclico. Há dinâmica e não há medo em dar apenas 40 segundos de espaço para Arnaldo Antunes ou Marcos Fontes -- entrevistas que, sem dúvidas, deram trabalho para conseguir. Caldas põe só o necessário e o necessário, como uma faca cirúrgica, atravessa os pontos a serem abordados com exatidão. Fora, claro, a boa edição.
Com tudo isso, Paulo Caldas faz o melhor trabalho de sua carreira até o momento. Saudade é necessário, interessante, poético, informativo. Não exagera na dose e nem falta conteúdo. É um trabalho preciso de um cineasta que melhora cada vez mais. Vale a pena assistir para quem gosta da língua portuguesa, para quem sempre tem sede de saber mais e para quem gosta de um cinema que faz refletir. Eu estou nos três grupos e saí extremamente satisfeito. É cinema de verdade.
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