Que experimento mais interessante é esse filme de Ricardo Calil (Narciso em Férias), comentado no circuito cinéfilo desde sua exibição em 2019 no É Tudo Verdade -- e que agora, finalmente, chega aos cinemas nesta quinta-feira, 3. E não é pra menos: Cine Marrocos, como o próprio título sugere, mostra a realidade dura (e inesperada) do tradicional Cine Marrocos, em São Paulo.
Calil repete um exercício bem similar ao que Eliane Caffé fez em Era o Hotel Cambridge: ao invés de retratar cruamente a rotina de uma ocupação, o cineasta aposta na fantasia, na ficcionalização, no diferente. Aqui, contando a história da ocupação no cinema, Calil pega um grupo de ocupantes para encenar algumas cenas de filmes clássicos exibidos no Marrocos.
A partir daí, em uma dinâmica interessante, acompanhamos esses dois lados. Primeiramente, a rotina e os desafios da ocupação -- com o líder do movimento justificando algumas coisas, trechos de notícias e coisas do tipo. Depois, tomando conta da fórmula de Cine Marrocos, vemos essas pessoas em exercícios de teatro, assistindo aos filmes e depois, enfim, atuando de fato.
É uma fórmula diferenciada, que funciona. Além de falar sobre o cinema em si, Calil também seleciona os trechos a serem reencenados de maneira acertada: muitos deles, falam não só da realidade daquele grupo como um todo, mas também daquelas pessoas. Impossível não se emocionar em algumas passagens, reencenadas com força por esse povo que vive à margem.
Há algumas diferenças entre pedaços do filme, principalmente conforme mudam as pessoas na tela -- algumas histórias, e algumas encenações, são mais interessantes do que outras. No entanto, Cine Marrocos mantém a unidade como um todo, ao causar esse comparativo natural daquele espaço na era de ouro do cinema, nos anos 1950, com essa sociedade frágil de hoje.
Assim, apesar de alguma instabilidade no ritmo em alguns momentos, é um filme que causa reflexão em uma sociedade em que a cultura e as pessoas são cada vez mais empurradas para as margens da sociedade. É um cenário triste, deprimente. Mas que, mesmo na arte da encenação quase teatral que surge aqui, encontramos esperança, possibilidades, caminhos.
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