Essa é, sem dúvidas, uma das críticas mais difíceis que já fiz. Afinal, Churchill, do cineasta Jonathan Teplitzky (Uma Longa Viagem) é bom em termos técnicos. Boas atuações, boa fotografia e momentos interessantes ao longo de sua trama -- afinal, é sempre instigante ver Winston Churchill nas telonas. O filme, porém, me obriga a negativá-lo: na trama não tem embasamento histórico em todo seu desenrolar, tornando-a um verdadeiro desserviço ao público.
Antes de continuarmos nessa questão existencial, vamos ao filme. Churchill mostra a vida do primeiro-ministro britânico pouco antes do Dia D -- ostensiva dos Aliados que viria a pôr um ponto final na Guerra. Assim, além de lidar com seus vários problemas de saúde e em seu casamento com Clementine (Miranda Richardson), o político precisa encontrar forças para enfrentar sargentos e generais de exércitos aliados para reduzir ao máximo o número de mortes na data.
Tecnicamente, o filme é muito bem executado. O veterano ator Brian Cox (A Autópsia) acha o tom ideal para interpretar Winston, impressionando pela semelhança com o político. Richardson (iBoy) e John Slattery (Spotlight) contam com bons momentos, ainda que nada excepcional. A fotografia é bem trabalhada e Teplitzky comete apenas alguns deslizes graves -- como a cena inicial e o discurso de Churchill, que ganha imagens acompanhando a narrativa do político de maneira brega.
O grande problema, então, é que a premissa do filme está historicamente errada. Eu, como fã da bélica, impressionante e polêmica carreira de Churchill, percebi logo no começo que havia algo dissonante. O político britânico nunca foi contra o Dia D, como toda a premissa do filme leva a crer. Pelo contrário. Ele foi uma das mentes por trás do plano de invasão à Normandia, planejando formas de ataque e pelotões a serem enviados junto com o exército americano e francês.
Teplitzky já se justificou do erro com dois argumentos. O primeiro é que ele se baseou em escritos de Clementine Churchill em seu diário, mostrando que os dois estavam infelizes com a morte de tantos jovens no Dia D. O segundo argumento é que o filme é baseado na vida de Churchill, e não deve ser considerado como sendo um retrato fiel e impecável da vida do político. As duas desculpas do cineasta, no entanto, não convence e não justificam os erros.
Sobre a primeira desculpa: Clementine Churchill pode ter escrito isso mesmo. Eu, é claro, não tenho como comprovar ou contestar, já que nunca li nada sobre isso. Mas estar triste com as mortes não é o mesmo que ser contra a ostensiva do Dia D. Qualquer um ali deve ter ficado triste com a morte de milhares de jovens. É natural. Mas ser contra -- e enfrentar comandantes militares -- já é uma outra coisa. A premissa inteira do filme, então, cai por água abaixo.
Outro erro histórico, que não vi desculpas de Teplitzky sobre isso, é sobre a senilidade de Churchill. Na época da Segunda Guerra Mundial, ele tinha um vigor descomunal para a sua idade de acordo com relatos históricos. Não é à toa que ele viria a ser primeiro-ministro novamente anos depois, como é fidedignamente retratado na série The Crown, da Netflix. É um erro pressupor e representar Churchill tão debilitado como nesse filme. Afeta a memória do político.
E quanto à questão de ser apenas baseada na história de Churchill: que vergonha ler algo assim de um cineasta. Claro que não é preciso ser um retrato fiel. Mas quando tratamos de eventos reais e que influenciaram a história da humanidade, é para ser o mais fiel possível. Um erro como esse torna a obra de Teplitzky uma grande ficção e que tem Churchill como o personagem principal. Deixa de ser um relato histórico. O longa, então, cai por terra e perde sua validade -- por mais apuro técnico que ele tenha.
Agora, é esperar O Destino de Uma Nação, que tem Gary Oldman no papel do político. Ou, então, esperar uma nova temporada The Crown, que deverá ter John Lithgow novamente no papel do primeiro-ministro britânico -- ainda que com menos participação. Ver Churchill, com certeza, não deve estar nas suas opções se você gosta de história. E tem apreço por ela.
Excelente crítica! O filme e mais uma obra que está criminosamente contaminada com a praga do seculo, ou seja, o politicamente correto. Incrivelmente mudaram até a personalidade de um dos maiores heróis da 2º guerra. Fizeram parecer ”fofinho e choroso” e quanto a sua esposa a ”vestiram” como uma mulher muito mais forte que ele, uma visível crítica ao machismo. Como admirador do Premier fiquei indignado!