Após dirigir os dois filmes mais ousados do universo Marvel, Vingadores: Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato, os irmãos Joe e Anthony Russo decidiram partir para um projeto completamente diferente. Junto com o jovem e talentoso Tom Holland, com quem já trabalharam antes, os irmãos Russo tentaram ao máximo trazer um filme repleto de experiências sensoriais, com uma história de múltiplas camadas e um personagem tridimensional. No entanto, o máximo que conseguiram foi extrair uma boa performance de Holland e uma cinematografia ousada de Newton Thomas Sigel. Desconsiderando esses dois fatores, Cherry é um filme completamente vazio.
Inspirado no livro Cherry: Inocência Perdida, do autor Nico Walker, o longa conta a trajetória de Cherry (Tom Holland), desde quando era um garoto que largou a faculdade e se apaixonou por Emily (Ciara Bravo), até se tornar um médico do exército dos EUA e retornar com problemas de estresse pós-traumático, devido a violência presenciada durante a guerra no Iraque. Portanto, Cherry acaba se tornando um viciado em heroína e remédios para ansiedade, tendo que investir em uma vida violenta para conseguir se sustentar.
O grande foco aqui é o investimento no personagem de Holland, que se encontra na mesma posição que muitos soldados enfrentaram nessa época quando retornaram da guerra: sem respaldo algum da sociedade norte-americana. Algo que o fez se afundar em vícios e doenças psicológicas. Contudo, mesmo antes de se juntar ao exército, Cherry já se mostrava alguém com grande predisposição ao consumo de drogas, por ingerir álcool e ecstasy em excesso, além do fato de ser um tanto agressivo e psicótico.
Apesar de Cherry parecer um personagem complexo, ele é nada além de unidimensional. Primeiramente, não há absolutamente nada que sustente qualquer motivo dele possuir a personalidade que tem. Não sabemos quem ele é nem o que já viveu; não sabemos que tipo de pessoa ele quer ser na vida e muito menos as suas motivações. Inclusive, mal escutamos seu nome ser pronunciado durante o filme. Ademais, praticamente não há fundamentos nas decisões do personagem. Elas acontecem de acordo com o que a narrativa precisa para se desenrolar.
De fato, Tom Holland sabe atuar até dormindo. Logo na primeira cena, o espectador esquece que aquele é o atual Homem-Aranha dos cinemas. Holland entrega um papel de muita construção e desconstrução, sabendo usar cada situação de Cherry ao seu favor e explorá-las ao máximo. No entanto, o personagem carece de profundidade e não existe uma única característica passível de identificação por parte do público, ou seja, Cherry é um personagem vazio, assim como o resto do filme. Em arrastadas 2 horas e 20 minutos, vemos a história se esticar em causas e consequências, todas mal elaboradas. Cada situação é forçada ao extremo, sem levar em consideração o desenvolvimento dos personagens e muito menos uma moral, algo inexistente nesse filme. Não há mensagens ou valores a serem explorados em Cherry, o que contribui ainda mais para a superficialidade do longa.
Talvez, a única coisa que se salve é a produção visual comandada por Newton Thomas Sigel e Philip Ivey. A cinematografia é criativa e o dinamismo na edição deixa o filme um pouco mais envolvente. No entanto, nada disso acompanha o ritmo desengonçado, que se destoa da proposta das cenas a todo momento. Por incrível que pareça, no final das contas temos uma história que quer tratar de assuntos sérios, mas só consegue entregar algumas cenas cômicas por causa da pós-produção, dedicada a aumentar ainda mais a as pretensões do filme.
Infelizmente, ainda não temos um filme sólido que explora o carisma e o talento de Tom Holland. Assim como em O Diabo de Cada Dia, o jovem ator entrega um papel muito diferente das performances anteriores. Sua evolução é bastante perceptível. Contudo, Cherry fornece apenas uma experiência rasa, a qual o ator precisa se desdobrar todo para garantir a atenção do público que, com certeza, precisa se esforçar muito para assistir até o final.
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