É quase impossível não comparar Ammonite com Retrato de Uma Jovem em Chamas. Para além do romance entre duas mulheres em uma época de preconceito, há nos dois filmes uma história de amor ardente entre duas mulheres que inicialmente diferem. Uma é cheia de vida, a outra quieta. Uma é contemplativa, outra vive a vida com pressa. A solidão é o vínculo do amor.
No entanto, uma pena, as semelhanças param por aí. Enquanto o filme de Céline Sciamma transborda delicadeza, esta nova produção de Francis Lee apresenta apenas aspereza, falta de delicadeza e uma visão masculina distorcida do que é um relacionamento lésbico. Não há, aqui, a sensibilidade que a história exige, ao contrário do que vimos na recente produção francesa.
Mas, como sempre, vamos por partes. Ammonite conta a história de Mary Anning (Kate Winslet), uma espécie de arqueóloga do século XIX e que busca exemplares de amonita — um tipo de fóssil marítimo — para vender e sustentar a casa que vive com sua mãe (Gemma Jones). Mas as coisas saem de seu controle quando ela passa a abrigar a jovem Charlotte (Saoirse Ronan).
Esposa de um rico cliente de Mary, a garota está doente e precisa passar uma temporada no litoral para tentar se recuperar. A saída é pagar Mary Anning para não apenas abrigar a jovem dama, como também para mostrar os meandros de sua profissão. E é aí, na solidão de ambas as personagens, que nasce o relacionamento das duas personagens, proibido naquela época.
Francis Lee, sem dúvida, é competente na criação da atmosfera do longa-metragem — como já vimos no filme anterior do cineasta, O Reino de Deus. Há potência naquela ambientação do século XIX, principalmente no que concerne ao ambiente marítimo em que a personagem de Kate Winslet vive. Rapidamente, sem grandes devaneios, mergulhamos naquela realidade.
No entanto, com a mesma rapidez percebe-se como a história de Ammonite não acompanha a boa ambientação. Primeiramente, tudo é exageradamente lento, contemplativo. As coisas demoram demais a acontecer. E Lee, infelizmente, não encontra espaço para dar significados aos silêncios. Muita coisa vista no longa-metragem é apenas o silêncio pelo silêncio. E só.
O ponto central do problema — e que difere de maneira tão gritante de Retrato de Uma Jovem em Chamas — está na relação entre as duas protagonistas. Ainda que Winslet (Titanic) e Ronan (Adoráveis Mulheres) se entreguem aos seus papéis, não há uma conexão natural. A cena de sexo, que lembra um pouco Azul é a Cor Mais Quente, também parece forçada e desnecessária.
Faltou, aqui, a delicadeza em compreender, mergulhar e decifrar em cenas as particularidades de um romance homossexual nos fins do século XIX. Faltou delicadeza na forma de abordar o assunto, tão cheio de arestas. Faltou sensibilidade em como representar essas duas personagens machucadas pelo tempo em que vivem e pela solidão avassaladora da existência.
Francis Lee é um cineasta competente, assim como Winslet e Ronan entenderam seus papéis. No entanto, Lee não estava pronto para este filme. Depois de Retrato de Uma Jovem em Chamas, o que esperamos é a perfeição no retrato de relacionamentos homoafetivos de outros tempos. E não há aqui. Há apenas contemplação, sem conteúdo. E isso torna Ammonite chato.
Recentemente assisti ao filme e ao ler essa crítica, percebo que minha experiência ao vê-lo foi totalmente diferente. A crítica parece estar muito ligada a outra obra, fazendo comparações sem muito sentido e apresentando um olhar de alguém que aparentemente não compreendeu a evolução da história.
Seria mais apropriado dizer que há nuances de contemplação, tratadas com grande delicadeza e profundidade. Isso faz de Ammonite um ótimo filme. No entanto, tal visão depende do telespectador.