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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Casa de Antiguidades' se perde na falta de sutileza

Atualizado: 17 de out. de 2020


Assim como Bacurau, o longa-metragem Casa de Antiguidades começa com uma cena que poderia ser retirada de um filme de ficção científica. Enquanto a produção de Kléber Mendonça Filho se vale de um planeta Terra, um satélite e coisas do tipo, o filme de estreia de João Paulo Miranda Maria mostra seu protagonista, vivido por Antônio Pitanga, com uma roupa de astronauta. Na verdade, para ser sincero, não é uma roupa de astronauta. Mas parece muito.


Curioso como essa semelhança, amparada nessa diferença básica de perspectiva entre as duas abordagens, acabam aproximando e repelindo Bacurau e Casa de Antiguidades ao longo de toda a rodagem desta nova produção cotada pelo Brasil para o Oscar. Enquanto Mendonça Filho parte do macro para o micro, Miranda Maria vai do micro para o macro. Enquanto Bacurau fala sobre uma comunidade que une indivíduos, Casa de Antiguidades fala de comunidades que repelem.


Com isso, você, caro leitor, se pergunta: oras, se são quase que diametralmente opostos, qual o motivo da comparação? Adianto: é impossível não tecer e observar semelhanças enquanto assiste a este novo filme brasileiro, selecionado para Cannes, para o TIFF e, agora, para a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ambos, cada um da sua forma, cada um com seu olhar bem particular, fala sobre intolerância. Fala sobre a ameaça do colonialismo que ainda vive no Brasil a partir de povos sulistas que se acham superiores. Fala sobre racismo, indiferença.

No caso de Casa de Antiguidades, essa intolerância avança contra a figura de Cristóvão (Pitanga, magistral aqui). Ele, como se estivesse vivendo um novo O Homem que Virou Suco, é obrigado a sair de sua Goiás para continuar no mesmo trabalho em Santa Catarina. Lá, porém, não encontra um ambiente acolhedor. Pelo contrário. É achincalhado, sofre preconceito, não se encontra. É um peixe fora d'água. É um astronauta. E a partir disso, vemos esse personagem tão à margem sofrer, minguar, sempre sem se encontrar em seu próprio país. Em sua própria terra.


É inegável que este é um assunto de suma importância e sumo interesse. É preciso ter a discussão, ter a compreensão desse racismo estrutural e colonialista que nos aprisiona, nos aflige como nação. Dessa forma, Casa de Antiguidades é um filme repleto de boas intenções. Mas, infelizmente, uma realização abaixo do esperado. Primeiramente, tudo é vomitado para o espectador entender rapidamente o que está acontecendo. Quer mostrar que Cristóvão é um estranho? Coloque roupa de astronauta. Que vive à mercê, como um animal? Roupa de gado.


Não há sutilezas, tampouco delicadeza no trato do tema -- como Bacurau, voltando à inevitável comparação, faz tão bem. Além disso, o roteiro e a direção de João Paulo Miranda Maia não se encontram. Trafega entre esse didatismo avergonhado, que nunca se assume, com metáforas sobre folclore brasileiro, cultura interiorana. Parece que, a partir de um roteiro de metáfora pueril, João adicionou camadas para tentar complicá-lo um pouco mais e fazê-lo merecedor.


Pitanga, felizmente, consegue recuperar o pouco de intensidade que sobra de Casa de Antiguidades. Sua atuação é poderosa, como em seus tempos de Cinema Nova. Seu olhar é penetrante, sua força extrapola a tela. Mas, infelizmente, uma andorinha só não faz verão. Faltou mais força e coerência narrativa, que parecem ficar em um segundo plano. De novo: o tema é importante, necessário, relevante. Mas não consegue avançar além da ideia. Pode ser que concorra ao Oscar, como corre o forte burburinho. Mas há filmes mais merecedores por aí.

 

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