Hala (Basma) é uma mulher que parece carregar um caminhão nas costas. Sem rumo, a dona de casa sofre com uma crise aguda de depressão. Nada em sua vida é colorido, nada lhe transmite alegria -- nem mesmo o filho recém-nascido. E as coisas pioram de vez quando Hala vê seu marido ir preso por fraude fiscal. A partir daí, tudo fica sob sua responsabilidade.
Esta é a trama central de Carta Registrada, drama egípcio que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 19. Dirigido pelo estreante Hisham Saqr, o longa-metragem absorve os sentimentos da protagonista e os distribui pela produção. A cor das cenas é sem vida, o ritmo lento, as coisas se desdobram de maneira triste, pouco empática. Nada, nem a protagonista, desperta simpatia.
Afinal, assim como o recente nacional Marés faz com o alcoolismo, não há desejo de fazer com que uma doença seja tratada de maneira novelesca, romantizada. Saqr, a partir de uma atuação poderoso de Basma, apresenta cena a cena o que há de mais real nessa doença crônica, universal e tão pouco discutida. E a realidade dela está ali, em seu mais de noventa minutos.
Note, por exemplo, as cores apagadas, fruto de uma iluminação fraca de luzes ambiente; a falta de expressão no rosto triste de Hala; os personagens coadjuvantes que não conseguem espaço na vida aflitiva da protagonista. São vários elementos que, em conjunto, forma uma trama inteligente e profunda sobre depressão. O sentimento da doença, aqui, extravasa o limite da tela.
Interessante, também, como o longa-metragem dialoga com filmes como Adam e Primavera em Casablanca ao falar sobre o machismo em sociedade árabes -- no caso de Carta Registrada, a egípcia. O fardo de Hala, afinal, aumenta quando o marido é preso e, assim, a personagem passa a ter ainda mais dificuldade para lidar com a depressão. Ela passa a ter um forte peso social.
Na sociedade patriarcal do Egito, é preciso que as mulheres cuidem da casa. Na ausência do marido, ainda por cima, ela precisa ter o dobro de responsabilidades. Depressão é frescura.
No entanto, vale ressaltar que o ritmo lento por vezes é exagerado. Mesmo tendo apenas 95 minutos, o longa-metragem tem momentos de inflexão e que transborda sonolência -- vá com o sono em dia para não perder o filme tirando uma longa e boa soneca. E aí fica aquela discussão: tudo bem que é intenção do autor causar isso na audiência; mas será que não há certo exagero?
O fato, porém, é que Carta Registrada é um filme intenso e muito vívido -- apesar dos tons cinzentos -- sobre a depressão e os efeitos da doença em sociedades igualmente doentes. A força da protagonista, fruto da boa interpretação de Basma, elevam a qualidade do longa-metragem, que fala sobre depressão sem filtros e sem medo de encarar essa triste realidade.
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