O título do documentário Carta para Além dos Muros é uma bela, e justa, referência ao poeta Caio Fernando Abreu. Injustiçado em tempos de redes sociais, o poeta foi vítima da AIDS e produziu um vasto material no qual é possível traçar paralelos entre a vida do escritor com a doença. Morte, transformação do corpo e compreensão deste mal se cruzam numa série de textos e, com destaque, para as crônicas intituladas Cartas para Além dos Muros. Agora, este título é emprestado para o documentário em questão.
Dirigido pelo estreante André Canto, o longa-metragem é, de fato, uma carta enviada para além dos muros. Ou, como dizem atualmente, para além das bolhas. Didático, mas sem ser óbvio, o filme mostra o caminho do HIV pelo mundo, mas com foco no Brasil. O objetivo é claro: desmistificar o que há ao redor da doença e em como ela se comporta, atualmente, em quem a contrai. Nada daquele história de que ela é epidêmica em gays, hemofílicos ou haitianos (pois é!). Aqui, o cineasta trata de mostrar suas várias facetas.
Para isso, Carta para Além dos Muros reúne uma série de depoimentos poderosos. Há, ao longo de seus 90 minutos, relatos de figuras como Drauzio Varella, Jean-Claude Bernardet, José Serra, Marina Person, dentre outros. Todos, de alguma maneira, com ligações diretas com essa doença, que começou sendo chamada de "câncer gay" ou "câncer rosa", e hoje evoluiu para um mal controlável -- ainda que continue a assombrar os mais jovens. É, enfim, uma doença de várias faces. Todas elas abordadas por aqui.
Há, também, uma interessante criação visual para as entrevistas. Nada de fundo preto. Aqui, Canto coloca uma porta vermelha aberta, com vista para ruas do Brasil. A mensagem é clara, caso não tenha sido compreendida logo no título: o objetivo do filme é informar. Mostrar como a doença não vive naquela bolha conhecida antigamente e que, tampouco, é um atestado de morte hoje em dia. Precisa cuidar, claro. E, principalmente, se prevenir. Mas, para isso tudo, a informação correta é a chave.
Apesar dos bons momentos do filme, e de cumprir sua função como um documentário informativo, há aquele velho ponto que sempre repetimos aqui no Esquina: repetição excessiva da estrutura de entrevista/arquivo/entrevista. Carta para Além dos Muros ainda tem uma dramatização aqui, uma leitura em off ali. Mas isso não basta para evitar que o longa-metragem se torne repetitivo. Sua estrutura é previsível, a forma de trazer as informações não é criativa. Só o fundo do cenário não basta aqui.
Assim, o documentário de André Canto é um bom exemplo de filme que informa, produz informação e se torna imprescindível. Sua exibição em escolas e faculdades pode ser uma poderosa arma contra a AIDS, que volta a se disseminar no País. E, por isso, ganha pontos. Já na questão de cinema, fica atrás. Não há disrupções narrativas, tampouco criatividade que o torne distinguível no mar de documentários que são produzidos no País. É mais um na multidão, apesar do conteúdo exemplar e da urgência de seu tema.
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