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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Caixa de Pássaros', da Netflix, é filme confuso e arrastado


É sempre injusto comparar duas mídias diferentes. Livro é uma história com um espaço amplo para ser desenvolvida a partir da criatividade de uma única pessoa: o autor. Já um filme é uma obra coletiva e mais compacta, que precisa ser contada em, no máximo, duas horas. Muito mais que isso, só em casos pontuais. Por isso, não dá pra dizer que o livro é melhor que o filme ou vice-e-versa. São coisas distintas. Mas é possível dizer uma coisa: há adaptações que, de alguma forma, perdem essência da obra original no caminho. Caixa de Pássaros, novo filme original da Netflix, é um claro exemplo disso.

A trama, adaptada do excelente livro de Josh Malerman, acompanha Malorie (Sandra Bullock), responsável por duas crianças num futuro pós-apocalíptico. Fora de casa, há uma ameaça invisível e assustadora que ronda e ameaça todos os sobreviventes. O segredo é não olhar para ela. Por isso, a protagonista e as duas crianças, quando saem de casa, precisam vendar bem os olhos e preparar o ouvido para escutar tudo. Junto à elas, também há os companheiros de sobrevivência Douglas (John Malkovich), Tom (Trevante Rhodes), Olympia (Danielle Macdonald) e a maternal Sheryl (Jacki Weaver).

Dirigido pela mediana Susanne Bier (do fraquíssimo Serena), o longa-metragem consegue fazer a proeza de perder toda a essência e poder metafórico que há no livro de Malerman. E isso, como adaptação, é inaceitável. Pode até mudar a história, alterar a mensagem final, inverter totalmente a narrativa. Ou se basear apenas em personagens, como a animação Como Treinar o Seu Dragão fez, de certa forma. Mas manter a estrutura e sumir com o grande feito da história é um desserviço ao que foi criado há alguns anos pelo escritor americano. Uma trama metafórica virou uma corrida no vazio.

E como filme, esquecendo da obra literária na qual ele foi inspirado, os problemas são vários também. A começar pelo roteiro, adaptado por Eric Heisserer (Quando as Luzes se Apagam, A Chegada). Ainda que tenha tensão, e se aproxime de uma mistura genérica de Um Lugar Silencioso e Fim dos Tempos, há problema no desenvolvimento dos personagens. São colocados na tela de maneira rápida demais, sem desenvolvimento, e não há identificação com o espectador. Lembra do já citado Um Lugar Silencioso? Você torce para que aquela família fuja da ameaça, que sobrevive ao futuro incerto. Aqui, não há nada. O espectador observa passivamente o que acontece.

Sandra Bullock (Um Sonho Possível), felizmente, é um acréscimo e tanto para a produção. Forte e consciente das funções de sua personagem, ela se entrega de corpo e alma para o papel e consegue passar a imagem de mãe valente e durona que desejava -- como disse em sua passagem pelo Brasil. O sempre excelente John Malkovich (22 Milhas) entrega personalidade à uma personagem fraca e sem desenvolvimento. Acirra os ânimos na tela. Danielle Macdonald (Lady Bird) também está ótima. Só Trevante Rhodes (Moonlight), Jacki Weaver (As Viúvas) e Sarah Paulson (American Horror Story) são completamente desperdiçados com personagens fracos, rasos e despropositais.

Por fim, há um claro problema de direcionamento. O longa-metragem, de certa maneira, possui três linhas temporais -- o antes da ruptura com a sociedade, o durante e depois. O período mais tenso é o depois e que, de certa forma, deveria ter recebido mais atenção. O antes e o durante serviriam apenas como base narrativa. Mas a cineasta opta por contar tudo de maneira quase cronológica, tirando muito peso da narrativa. Como já dito, fica tudo muito corrido, muito artificial. E é nesse momento que a metáfora geral da história se esvai e, assim, sobra apenas um fiapo geral do que Caixa de Pássaros é.

Nem a tensão de não poder enxergar ao redor foi bem aproveitada por Susanne Bier. Faltou experimentação, faltou brincadeiras sensoriais. Faltou ousadia na maneira de criar.

Mais um erro da Netflix em longas, mais uma mostra de que adaptações não se faz sem coerência. Uma pena que um projeto tão pessoal de Sandra Bullock, que comprou os direitos da obra e foi atrás de algum estúdio para adaptá-la, tenha ficado à mercê de uma produção tão capenga. Bullock, Malerman e Malkovich mereciam muito mais do que a mistura genérica de Nevoeiro, Um Lugar Silencioso e Fim dos Tempos. Bem mais.

* Filme assistido durante a cobertura especial para a CCXP 2018.

 

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