Em uma aldeia montanhosa, na região do Curdistão, um grupo de crianças não tem o que fazer. Afinal, por conta do terreno íngreme e do isolamento da pequena cidade, os infantes não encontram momentos de lazer fora da escola. Por isso, o futebol acaba sendo tão valorizado por lá. É preciso apenas um punhado de pedras como gol, um terreno reto e uma bola de meia.
No entanto, no documentário Blue Girl, vemos essas crianças indo além. Mais do que jogar bola em qualquer lugar, eles querem um campo. Inspirados na Copa do Mundo da Rússia 2018, a pequena população da região se apropria do topo de uma montanha e, com muito suor e esforço, começam a aplainar o terreno, levar terra para assentar e, assim, construir a quadra.
Dirigido por Keivan Majidi e integrante da mostra competitiva do 7º Festival Internacional de Cinema de Brasília, Blue Girl logo de cara assume a mensagem que quer passar: o futebol, até por via torta, une as pessoas. Neste microcosmos do Curdistão, meninos brincam com meninas. Velhos se aproximam dos jovens. Uma cidade inteira é movida pela paixão sentida nos jogos.
As imagens capturadas por Majidi dão conta de mostrar a dureza da região, o clima árido e, principalmente, a falta de oportunidades daquelas pessoas fora dali. A bola chutada, o gol do Senegal em um jogo qualquer da Copa, o grito da torcida. Tudo isso, de alguma forma, é impresso em Blue Girl como forma de união e, até mesmo algumas vezes, como resistência.
A mensagem está ali, funciona e pode até emocionar os corações mais moles. Afinal, os personagens são ótimos -- crianças, de uma região remota, felizes com uma bola e a quadra.
No entanto, é inegável que o filme poderia ir muito além. Algumas muletas de roteiro e de direção utilizadas por Majidi afastam o público de alcançar o cerne daquela história. A dita protagonista, e que dá nome ao filme (o apelido Blue Girl vem de sua torcida à Itália), narra o filme inteiro, com poucas pausas. É cansativo, é didático, é óbvio. Chega a desanimar.
Com isso, a sensibilidade das lentes de Majidi acaba se esvaindo. Por mais que haja algo especial ali, principalmente no ambiente e nos retratados, essa narrativa mascara a delicadeza que há na essência de Blue Girl. Sabe Honeyland, excepcional documentário indicado ao Oscar? O filme de Majidi poderia ter alcançado essa essência, essa beleza. Mas fica apenas no raso.
Além disso, há algo que incomoda. O filme é vendido e tratado como documentário, mas algumas situações são deveras artificiais. Parecem ensaiadas. Até mesmo a própria narrativa, feita por uma das retratadas, quebra um pouco da expectativa -- num mal sentido. Fica um clima estranho. Parece que Majidi quis borrar a ficção e a realidade. Mas ficou algo anticlimático.
Dessa maneira, Blue Girl tem sua importância social e antropológica, mostrando como um mero esporte pode reunir e unir pessoas, grupos sociais e pequenas cidades escondidas no Oriente Médio. Mas poderia ir muito, muito além. Poderia ser um filme mais vigoroso, mais natural, mais profundo. A didática exagerada e uma artificialidade inexplicada quebram a experiência. Pena.
OBS.: O 'Esquina' está fazendo a cobertura completa do 7º Festival Internacional de Cinema de Brasília (BIFF), que acontece totalmente online. Acompanhe-nos para mais atualizações.
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