Mocumentário é o nome dado aos filmes de ficção, totalmente roteirizados e feitos por atores reais, que imitam o formato e as particularidades de um documentário real. Woody Allen fez isso no bom Zelig. Prestes a chegar em sua 11ª e derradeira temporada, a série Modern Family também segue a linha do mocumentário. E agora, um bom filme brasileiro entra nessa lista: é o surpreendente Bio: Construindo Uma Vida, de Carlos Gerbase (Menos que Nada), e que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 4.
Dividido em treze diferentes espaços temporais, o longa-metragem colhe depoimentos de pessoas que conviveram com um biólogo que nasceu em 1959 e morreu em 2070. Sem nunca mostrar o rosto ou pronunciar o nome desse homem, suposto protagonista do filme, Bio vai tecendo um panorama geral de sua vida. São interesses românticos, prostitutas, amantes, filhos, vizinhos. Pessoas comuns, que conviveram com o homem anônimo no dia a dia, e foram vendo sua evolução, dores, amores, alegrias e tristezas.
Bio, que tem um título que não condiz com a qualidade do longa, vai traçando esse panorama todo sem se importar, em momento algum, de trazer acontecimentos surpreendentes, situações de fazer cair o queixo, cenas surreais. É tudo muito humano, mundano, bizarramente real. E este é o triunfo de Bio. Não se render às pirotecnias que amontoam o cinema atual. A criatividade, aqui, está no formato, na forma de contar essa vida banal. A história, assim como em Boyhood, é a vida como ela é. E nada além disso.
Gerbase, que seguiu um caminho totalmente diferente do que já tinha feito até então em sua carreira, acerta com uma direção firme, atenta aos seus propósitos. Só uma vez ou outra que escapa em termos narrativos, como na cena em que a personagem de Sheron Menezes aparece. De resto, ele consegue fazer um filme que choca por sua humanidade, por sua franqueza. Não é fácil conseguir o que é visto na tela. É uma orquestra difícil de afinar. São 39 personagens, em 13 temporalidades diferentes. Complexo de comandar.
Aliás, falando em elenco, é natural que haja atores melhores que outros. E aqui, há alguns muito melhores -- como Marco Ricca (Canastra Suja) como um psicólogo, Maitê Proença (Meu Amigo Hindu) como uma das filhas e Maria Fernanda Cândido (Dois Irmãos) como uma colega bióloga. E isso, em partes, é ruim para um filme que acaba por ter atores bem abaixo da média. Uma atriz jovem que faz uma das filhas do protagonista, por exemplo, derruba o nível de interpretação por chão. Muita diferença.
Mas isso não acaba por prejudicar o filme, que continua sendo surpreendentemente positivo. Bio aposta firme no formato de mocumentário e vai além do que já foi feito. É inteligente, criativo, bem-humorado, reflexivo. Foge do padrão, da maioria das coisas que chegam aos cinemas e passam batido. É um filme que merece atenção, principalmente por sua diferente forma de tratar um tema tão banal, tão comum. Muitos podem não gostar, como não gostaram de Boyhood, alegando que não fala sobre nada. Sem graça, talvez. Mas o que é a vida, a não ser uma sucessão de coisas banais?
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