Não é tão fácil quanto parece gostar de Bela Vingança. A cineasta e roteirista Emerald Fennell, que faz sua estreia em longas, se vale do chamado "rape and revenge" para contar a história de uma mulher (Carey Mulligan, excepcional no papel) que sai nas noites em busca de abusadores. Como? Finge que está bêbada, quase inconsciente, para ver qual será a reação daquele homem.
A partir daí, Fennell segue o caminho tradicional do subgênero de "rape e revenge" para mostrar essa mulher em busca de uma vingança final. É um filme bastante estilizado, mostrando personalidade do lado de Fennell, que sabe imprimir sua marca na produção. Há referências de mais de uma dezena de produções do tipo, mas a cineasta não deixa a originalidade ir por terra.
Afinal, mais do que apenas colocar uma corrida de gato e rato na tela, como fez recentemente o mediano Vingança, Fennell fala sobre machismo estrutural, violência contra a mulher, rivalidade e outros assuntos espinhosos. E tudo isso sem filtros. Coloca a protagonista, cheia de camadas, se vingando de uma outra mulher -- de maneira bem torta por sinal. Finaliza com surpresas.
O fato é que, em Bela Vingança, a cineasta e roteirista não quer fazer carinho em seu público, nem convencer ninguém de que os fins justificam os meios. Apenas quer mostrar uma sistematização da violência na sociedade e como as saídas das mulheres, muitas vezes, não são as mais simples imaginadas. É preciso correr por alternativas, nem sempre certeiras.
Mulligan, que já tinha impressionado com uma atuação inacreditável em Shame, repete a boa performance com o que, em outros tempos, seria chamado sem problemas de femme fatale. É uma personagem marcante e violenta, que não se esconde nem se deixa oprimir, sempre buscando seu espaço -- e sua vingança, é claro. Uma das grandes atuações do ano, sem dúvida.
O deslize de Fennell, e que provavelmente vai tirar o longa-metragem da lista de melhores do ano de muita gente, está na absoluta falta de problematização de algumas situações que aparecem na tela. A própria questão envolvendo a protagonista com uma outra mulher, por exemplo. Problema algum de ser colocada na tela. Mas deveria ter rendido uma reflexão maior.
Acredito que, por isso, Bela Vingança pode ser um daqueles casos de filme que envelhece logo (e mal). Deveria ter resolvido essas pendências para ganhar uma sobrevida na memória coletiva.
Talvez isso seja sintoma da necessidade de amadurecimento de Fennell, claro, como realizadora. Algo normal. De resto, porém, temos um daqueles filmes originais e que merecem, sem dúvidas, o Oscar de Melhor Roteiro Original que faturou em 2021. O final, totalmente fora das expectativas, é a cereja de um bolo delicioso, difícil de digerir, mas que deixa sua marca.
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