É interessante como há duas linhas bem claras de cinema de super-heróis sendo feitas hoje em dia. De um lado, a Marvel com sua estrutura quase repetitiva, mas divertida, e que atiça a emoção dos fãs facilmente. É um cinema mais "fácil", que fica pronto antes mesmo do primeiro grito de "ação!" da direção, mas que tem seu méritos por ter refundado o filme-evento. Do outro, há a DC, pelas mãos da Warner Bros., tateando no escuro e tentando encontrar seu espaço.
Afinal, ainda que tenha uma história longa e mais interessante, contando até com alguns clássicos no currículo (Batman, de 1989; Superman, de 1978), a empresa parece ter perdido o fio da meada depois do sucesso estrondoso que foi a trilogia do Batman comandada por Nolan. Sob comando de Zack Snyder, o estúdio queria seguir dois caminhos: o primeiro, fruto do sucesso de Batman: O Cavaleiro das Trevas, era partir para um cinema mais sombrio, realista e pé no chão.
Do outro, havia uma ânsia em correr atrás do que a Marvel estava fazendo em criar universos compartilhados. A DC nem esperou os primeiros filmes e já fez bombas como Batman vs Superman e Liga da Justiça -- histórias desesperadas, correndo atrás do prejuízo, e que não fecham a conta. Ainda tiveram efeitos colaterais, como as duas produções da Mulher-Maravilha e o primeiro Esquadrão Suicida. Só depois da saída de Snyder que as coisas mudaram.
Hoje, a sensação é de que a Warner Bros. entregou para Deus a lógica dentro desse universo compartilhado. Histórias não são encerradas e, mesmo assim, novas linhas narrativas começam. Há acúmulos de personagens (estamos prestes a ter três Coringas em atividade) e uma dissonância clara de qual linguagem seguir. No entanto, há algo de belo nisso, em que boas ideias ganham vida mesmo que não façam sentido ali. É o caso de Coringa e, agora, Batman.
Dirigido por Matt Reeves, que manteve um bom controle criativo na história e na direção, o longa-metragem abraça a chamada narrativa do "Batman detetive". Aqui, ele não apenas está em busca dos vilões mais óbvios, como também está investigando. James Gordon (Jeffrey Wright) é mais do que um aliado, é um companheiro de ação. Além disso, Reeves buscou por um Batman mais humano, ainda afogado pelas sombras e pela vingança, mas com dores reais.
É um interessante caminho do meio de tudo que a Warner Bros. estava fazendo até aqui. Há fantasia, sim, como o Pinguim de Colin Ferrell andando tal como a ave ou, então, a bizarrice rebuscada de alguns personagens, quase lembrando a excentricidade do que Tim Burton fez nos anos 1990. Gotham se aproxima ainda mais de Nova York em estética e problemas, mas tem seu lado absurdo, fantasioso. É interessante ver essa criação sem grandes amarras em Reeves.
Além disso, a solução usada pelo diretor para trazer o Batman detetive à vida e manter a sua humanidade foi acertada: transformou Batman em um longa-metragem neo noir, com as sombras se impondo em cima do personagem ao mesmo tempo que a investigação ganha ares ainda mais existenciais, com uma narração declaratória (ainda que não exagerada) e essa busca por segredos. Caiu como uma luva na trama, que se revela elegante ao misturar tons distintos.
O tom do filme também é diferente de tudo que vemos no cinema de heróis. As emoções do personagem são sentidas e compreendidas -- em alguns casos e momentos, até mesmo dos vilões. A ação existe, é claro, e é muito boa, muito crua. Ainda assim, dá para ver a expressão dos personagens envolvidos, os sentimentos, o medo, a angústia, a raiva. Enquanto outras produções de quadrinhos priorizam o espetáculo, o diretor priorizou o lado humano desses personagens.
Para além desses acertos mais óbvios de Reeves, há o elenco. Pattinson volta a se afirmar como um dos grandes nomes do cinema contemporâneo, com uma atuação de méritos próprios -- o sofrimento de Bruce Wayne é compreensível e palpável. Os vilões, ainda que em excesso, não reproduzem erros de filmes como Homem-Aranha 3: cada um tem seu espaço dentro da narrativa e é Charada (Paul Dano, espetacular) quem assume o verdadeiro papel de antagonista.
Isso não impede, porém, de Pinguim, Carmine Falcone (John Turturro) e Mulher-Gato (Zoë Kravitz) terem momentos de brilho, com esta última sendo a tradicional "vilão, mas nem tanto".
O grande acerto, porém, é que esta é uma grande história sobre o Batman, não apenas com o Batman. O Cavaleiro das Trevas é um filme excepcional, sim, mas é mais sobre o Coringa do que sobre o herói, por exemplo. Os outros dois filmes de Nolan são bons, mas não grandiosos, potentes e memoráveis. Batman vs Superman e Liga da Justiça nem entram em debate. Batman talvez seja a refundação não só do herói, como uma amostra do que pode ser feito com personagens assim.
Só há dois problemas. O primeiro é a duração: ainda que faça sentido dentro da proposta de Reeves, o longa-metragem não precisava, de forma alguma, ter uma duração exagerada de 3 horas. 150 minutos dava com folga. Sobre o outro problema, volto para uma questão lá do início do texto: o que a Warner Bros. quer realmente com seus filmes da DC? Batman poderia abrir uma linha direta para Coringa, por exemplo, mas acaba abrindo mais uma narrativa. Pra quê?
Apesar desses probleminhas, os acertos ainda são maiores. Batman é um filme corajoso, que fala sobre heróis que não se escondem atrás da capa. Fala sobre sentimentos e emoções enquanto a ação rola na tela. E, como cereja do bolo, ainda traz discussões sociais pertinentes, honrando um legado nos quadrinhos, ao colocar o fascismo desenfreado e digital dentro da história de maneira natural e coesa. Batman é um filmaço. E posso estar errado, mas acho que o longa-metragem, ao lado do sucesso de Coringa, deve mexer com as estruturas do cinemão.
Commentaires