Ayka (Samal Yeslyamova) é uma imigrante do Quirguistão que mora ilegalmente em Moscou, capital da Rússia. Só que as coisas vão mal, talvez até pior do que em seu Pais de origem. Afinal, ela está grávida sem ter condições de cuidar do filho, não tem emprego e ainda está devendo dinheiro para um mafioso da região. Como saída, ela passa a percorrer a região em busca de um emprego, fazendo o que quer que seja.
Essa é a premissa de Ayka, longa-metragem que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 11. Dirigido por Sergei Dvortsevoy (Tulpan), o filme é uma nova visão sobre o filme Cafarnaum -- mas, desta vez, voltado para a maternidade. A crueldade e a tristeza da personagem principal é sentida em cada uma das cenas. O frio congela os espectadores. A dor sentida por ela é transferida diretamente para o outro lado da tela.
E isso acontece por dois motivos principais: a atuação absolutamente sensacional de Samal Yeslyamova (Tulpan) e a direção precisa de Dvortsevoy. Ela, que assume seu primeiro protagonismo, consegue mergulhar na personagem desde a primeira cena. Ainda que algumas de suas atitudes despertem sentimentos contraditórios na audiência, é difícil não sofrer com ela, por ela. Uma personagem deveras complexa.
Dvortsevoy, enquanto isso, consegue controlar o filme dentro do seu fortíssimo arco dramático sem deixar cair para o clichê, para o óbvio. Ainda que o longa tenha algumas cenas desnecessárias, e situações não resolvidas, a maior parte do drama funciona. Cenas como a de Ayka sofrendo de dor e usando estalactites para o ferimento doem em quem assiste. Ou, então, a cena final, que é um soco no estômago. Parte o coração.
O longa, como já deixa claro na primeira cena, não abre espaço para o descanso dramático. Não há cenas engraçadinhas, nem ao menos leves. Tudo é forte, tudo é drama. Isso, por algum lado, pode ser considerado erro de Dvortsevoy e Gennadiy Ostrovskiy (Tulpan), roteiristas do filme e que acabam por não dar respiros necessários. Se existissem, talvez o drama ficasse ainda mais forte e considerável. Mas não estraga.
E apesar de Ayka ser um filme que fala muito da precarização dos imigrantes, inclusive com uma ou outra cena xenófoba, a alma do longa-metragem é o tema da maternidade. É ele que rege a maioria dos acontecimentos, do sofrimento de Ayka. Uma cena, envolvendo uma cachorra amamentando, é extremamente significativa e mostra o que o diretor queria mostrar. Difícil sentimentos não virem à tona com essa história.
Ayka, dessa maneira, é um filmaço. Duro, cruel, insensível. Ele provoca e deixa o espectador angustiado de propósito, fazendo com que fique desconfortável com o que está sendo exibido na tela. E é muito funcional. Claro: poderia ter tirado o pé do acelerador nas cenas dramáticas, como Cafarnaum tão bem fez, sem deixar que esse drama forte e pesado perca força. Mas, mesmo assim, funcionou muito bem. É uma pedida ideal para os que não se incomodam com provocações, dramas fortes, incisivos. É tudo isso e mais um pouco.
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