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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Auto de Resistência' é forte e urgente documentário nacional


Auto de resistência é o nome dado para um documento, expedido por policiais, que justifica a morte de pessoas em caso de resistência à prisão -- sendo essas pessoas, claro, apenas suspeitas de cometer crimes. E é aí que mora o perigo: com a flexibilidade que esses autos permitem, policiais corruptos acabam matando à torto e à direito sem averiguar a possível ameaça e se a pessoa na mira das armas é, de fato, o suspeito de cometer um crime. O auto de resistência, no final, acaba sendo um salvo-conduto para matar e se isentar da possível penalização.

São os efeitos desse documento, então, que norteiam o documentário Auto de Resistência, dos cineastas Lula Carvalho (diretor de fotografia de Bingo: O Rei das Manhãs) e a estreante Natasha Neri. No centro da história, famílias que foram dilaceradas pela morte de jovens no Rio de Janeiro e que sofrem para conseguir entrar em processos contra os policiais - já que é difícil, em tese, saber quais autos de resistência são verídicos ou não. É uma verdadeira e intrincada luta jurídica.

Primeiro ponto a ser ressaltado: Natasha e Lula, que produzem o documentário há cerca de seis anos, possuem um material de qualidade elevadíssima em mãos. Não só conseguiram pinçar bons casos no mar de desigualdade dos morros cariocas, como também obtiveram imagens fortes, impactantes e que deixa qualquer um boquiaberto -- há uma gravação feita pelo celular de um menino baleado por um policial, enquanto brincava com os amigos, que é histórica.

Os dois também conseguiram entrar em ambientes diversos e de difícil acesso. Há cenas de tribunais, há discursos de advogados de defesa para o júri, há imagens fortíssimas de mães protestando contra a violência gratuita. Auto de Resistência é, então, um documentário forte e urgente em sua essência, que não permite que a audiência fique passível ao que é visto na tela.

Lula e Natasha também fazem uma aposta certa que é não dar voz aos policiais envolvidos na morte dos jovens documentados. Ao contrário de matérias jornalísticas, não existe uma obrigação ética de imparcialidade em documentários. Não é preciso ouvir o "outro lado". Ou seja: ainda que os dois diretores não interfiram na compreensão geral da história, eles não tentam mostrar o que os policiais tem a dizer. E nem precisa, já que são sempre eles que se apresentam nas câmeras de TV.

No entanto, apesar da urgência do material em mãos, documentários não vivem apenas de boas imagens ou de sua importância social -- dois aspectos que são inegáveis na produção em questão. É preciso contar a história de maneira interessante. Mas isso não ocorre com o documentário. As histórias se sucedem sem criatividade. É uma atrás da outra e contada de maneira linear e formulaica. Não há surpresas, não há clímax. E documentário, querendo ou não, é um filme e precisa ser tratado como tal.

Auto de Resistência, então, acaba por ser um pouco mais lento e previsível do que deveria. Os dois cineastas, sem dúvidas, tinham um material em mãos que, sob comando de alguém mais experiente, poderia render um dos documentários mais importantes da história do cinema nacional recente. Só que não se engane: mesmo não sendo história, é um filme forte, urgente e que precisa ser visto. Afinal, não é sempre que um tema tão delicado e necessário é exposto dessa maneira.

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