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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Ataque dos Cães', da Netflix, é filme sensível mergulhado em trama de faroeste


Quando pensamos em filmes de faroeste, lembramos de Clint Eastwood, John Wayne, Leone. Geralmente, são histórias brutas, áridas e doloridas, com uma boa quantidade de bang-bang e violência. É interessante, assim, como Jane Campion quebra qualquer expectativa com o seu maduro Ataque dos Cães, longa-metragem que chegou nesta quarta-feira, 1, na Netflix.


O longa-metragem começa com uma pegada que já vimos em outros faroestes modernos, como Relatos do Mundo, Oeste sem Lei e Dreamland: Sonhos e Ilusões — este último, aliás, filme de roubo que toma o faroeste como inspiração estética e narrativa. Há, em Ataque dos Cães, essa textura árida que estamos acostumados, mas, sobretudo, há a desesperança de um tempo.


O foco desses novos faroestes não é o bang-bang. São as pessoas, suas histórias, seus desafios que importam. Em alguns casos, como Relatos do Mundo, até há sequências de ação. Mas são os personagens que movimentam a trama. Aqui, especificamente, são quatro: Phil (Benedict Cumberbatch), George (Jesse Plemons), Rose (Kirsten Dunst) e, enfim, Peter (Kodi Smit-McPhee).


Os dois primeiros são irmãos, donos de uma fazenda de gado e moram bem em uma antiga mansão. A vida dos dois, porém, muda quando George se casa com Rose, viúva e mão de Peter — este, por sua vez, um rapaz de gestos delicados e sensibilidade aguçada. Primeiramente, Phil não quer saber de mãe e filho. Mas, aos poucos, essa relação vai se transformando, mudando.

Ataque dos Cães, assim como é O Piano, outra grande obra de Campion, deixa muita coisa subentendida. Assim como deveria ser, nem tudo nessa época no coração do oeste norte-americano é falado. Os silêncios e gestos dizem muito. Não é à toa, por exemplo, que a diretora usa muita imagem no detalhe, focada nas mãos, na pele. Isso, aqui, diz mais do que palavras.


Phil, numa atuação arrebatadora de Cumberbatch (Doutor Estranho), parece um personagem explosivo, temperamental. No entanto, conforme a trama avança, mostra que é mais do que isso. Há, sim, seus momentos de explosão, de caos, de violência. Mas Cumberbatch sabe trabalhar com o olhar para mostrar que há muito mais camadas a serem reveladas ao longo do filme.


Falando em atuações, é preciso dizer que Dunst e Smit-McPhee são acontecimentos em tela. Ela com seu estupor, seu medo. Uma cena de um jantar, em que George pede para Rose tocar ao piano, é uma aula de atuação — Kirsten Dunst, aqui, fala apenas com seu olhar assustado, até esbugalhado. Já Smit-McPhee brinca com emoção. Não sabemos o que achar do personagem.


A direção de Campion, assim como a fotografia brilhante de Ari Wegner (Lady Macbeth), dão o verniz necessário para a história, ajudando a modular o sentimento do espectador. O único tropeço acaba sendo a história em si. Muita coisa é reprimida para que o pública tenha espaço de interpretar o que está sendo contado. Com isso, fica a sensação de que pouquíssimo é dito.


No final, pense comigo: qual a história do filme, a linha narrativa, o clímax? É difícil discernir o que Ataque dos Cães gostaria, de fato, de falar. E em tempos em que vozes são caladas, talvez fosse importante trazer alguma coisa um pouco mais palpável. Enfim: dito isso, apesar desse probleminha, Ataque dos Cães é um dos grandes filmes de 2021. Fique de olho nas premiações.

 

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