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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: Wes Anderson faz um tratado existencialista sobre luto em 'Asteroid City'


Curioso que, geralmente, quando penso no cinema de Wes Anderson, raramente penso em tramas complexas e emocionais -- ainda que produções como O Fantástico Sr. Raposo e Moonrise Kingdom tenham uma boa carga de sensibilidade. O fato é que lembramos sempre primeiro do design de produção, do visual, de seus elencos carregados, como se tudo isso emoldurasse uma trama menor, tímida, apática. E é por isso tudo que Asteroid City surpreende.


Estreia desta quinta-feira, 10 de agosto, o longa-metragem conta com três camadas de história. Na primeira delas, Bryan Cranston (The Breaking Bad) faz as vezes de apresentador de um programa, nos avisando que uma peça fictícia nos será apresentada. Depois, duas outras tramas se desdobram: a criação dessa peça e seus bastidores (com Edward Norton como o dramaturgo e Adrien Brody como diretor) e, é claro, a peça em si -- que tem todo aquele visual lúdico de Wes.


E ainda que as sequências do programa de Cranston e dos bastidores sejam de crucial importância dentro da narrativa, não é esse o principal interesse de quem está assistindo. Ver a peça em si, com a história de um pai de família em luto (Jason Schwartzman) que chega em uma cidadezinha americana no meio do nada, é o que mais atrai a atenção: as cores pastéis de Wes Anderson, junto com uma narrativa inusitada, deixam tudo mais saboroso e instigante.


Ao contrário de seus filmes anteriores do cineasta, que revelam suas essências rapidamente, Asteroid City vai fazendo charme, se mostrando difícil. As coisas não são reveladas de pronta -- o próprio fato e os motivos de que o personagem de Schwartzman está de luto se demoram. Wes Anderson parece se deliciar com esse atraso. Afinal, primeiramente, coloca o público dentro dessa história improvável para, aos poucos, surpreender com um debate além do esperado.

Asteroid City, afinal, está bem longe de ser uma trama sobre uma peça fictícia qualquer. O filme, na verdade, é o mais ousado e provocativo de Anderson, que sai da caixinha e cria uma história que versa, dentre outras coisas, sobre luto, conhecimento pessoal, existencialismo e, até mesmo, sobre como a arte pode ser uma forma de nos fazer enfrentar a inevitabilidade da vida e da morte por meio de um personagem que cresce inesperadamente conforme o absurdo surge.


E isso parte de quase tudo que surge na história: desde o asteroide que repousa nessa pacata cidade (de onde veio? estamos sozinhos no mundo?) até a forma que Augie é confrontado a viver, dentro e fora dos palcos. Duas perdas se complementam, na ficção e na vida real, enquanto o personagem tenda encontrar um sentido desesperadamente entre essas suas duas personas que entram em conflito. "Estou fazendo tudo certo?", questiona ele, desesperado.


Anderson deixa mais respostas abertas do que quando começamos o filme. Afinal, ele assume que não é sua responsabilidade encontrar sentido no luto e na perda -- pelo contrário, ele abraça a dor do imprevisível. Asteroid City, dessa forma, rapidamente escala para uma reflexão dramática existencialista. Há comédia aqui, em pequenas tiradas aqui e acolá, que funcionam bem, mas não é este o foco: o filme é uma tragédia que, naturalmente, contém o bizarro da vida.


Do elenco, há aquela variação clássica nos filmes de Anderson. Alguns fazem apenas pontas luxuosas, como Steve Carrell, Maya Hawke, Matt Dillon e Willem Dafoe, enquanto outros entregam atuações completas, como Jason Schwartzman (no papel de sua carreira, até agora) e Scarlett Johansson. Tom Hanks, na primeira participação com Anderson, não cheira, nem fede.


O filme só perde pontos por conta do desinteresse quase natural que surge pelas tramas paralelas em relação à peça ao longo do filme -- a atenção só é puxada novamente bem pertinho do final, quando tudo se encaixa no discurso de Anderson. É, sem dúvidas, um filme que cresce em uma possível revisão. Mas, ainda assim, Asteroid City é o melhor filme do cineasta desde O Grande Hotel Budapeste e se iguala, em qualidade, ao ótimo Moonrise Kingdom. Depois de dois filmes medianos (Ilha dos Cachorros e A Crônica Francesa), podemos dizer: Wes Anderson vive!

 

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