É batata: qualquer produção sobre pessoas do Oriente Médio que passa pelo olhar ocidental sai com problemas no tom. Qualquer uma. Há tendência de tratar pessoas dessa região como coitados que precisam sempre de ajuda e veem o Ocidente como a saída dos seus problemas. E é justamente isso que acontece com As Nadadoras, estreia da Netflix desta quarta-feira, 23.
Ainda que dirigido pela cineasta galesa-egípcia Sally El Hosaini (My Brother the Devil), todo o resto da produção passa por profissionais ocidentais ou que compartilham diretamente dessa visão: desde o roteirista (Jack Thorne, inglês), passando pela produção (Tim Cole, inglês; Eric Fellner, também britânico) e, é claro, pelas empresas ligadas ao filme: Netflix e Working Title.
Com esse olhar quase que exclusivamente ocidental em cima de uma história que deveria ser diversa e plural, As Nadadoras se aproxima demais de um tom de autoajuda que não beneficia em nada a trama de duas irmãs nadadoras (Manal Issa e Nathalie Issa) que fogem de uma Síria devastada pela guerra e buscam abrigo na Europa para manter vivo o sonho de viver do esporte.
O começo do filme, até sua primeira hora, funciona bem. El Hosaini sabe como comandar cenas de tensão profunda, principalmente no drama das irmãs em um barco de refugiados -- ainda que haja uma artificialidade ali que incomoda, principalmente perto do que já vimos em filmes como Humanflow, Exodus e Zaatari. É uma realidade dura que, na Netflix, passa por um filtro.
Há emoção na forma como as irmãs se relacionam e, também, quando o filme passa a seguir puramente por uma história de competição esportiva, com as irmãs buscando seu espaço na natação. Mas, como sempre, há a figura do branco salvador (vivida por Matthias Schweighöfer, de Army of the Dead) e elas servem unicamente ao propósito triunfante da "salvação".
Lembra um pouco o que a Netflix fez recentemente em Adú, outro filme que se vale de todos esses símbolos, histórias e funções. E, com isso, fica a questão: será que já não passamos do ponto de entender melhor essas histórias e deixar de lado os retratos sempre unilaterais? Árabes são sempre retratados como terroristas ou coitadinhos. Não há meio termo no Ocidente.
Ah, e precisa comentar a cena das irmãs passando apuros em um bote afundando no mar com a canção Titanium, de David Guetta e Sia, tocando ao fundo? Constrangedor. Tipicamente ocidental.
Por isso, As Nadadoras pode ter seus pontos positivos, principalmente pela emoção genuína que a diretora sabe criar em cenas-chave. Mas fica por isso mesmo. Se pararmos para pensar, nem mesmo as boas atuações das irmãs conseguem segurar essa enxurrada de problemas que, no fim do dia, apenas ajudam a perpetuar estereótipos e ideias que não conseguem acertar o tom.
critica fraca e enviesada
O crítico estranhou usarem músicas do David Ghetta e da Sia, talvez porque seja ele quem tem a visão estereotipada do árabe e acha que seria melhor uma canção de adoração a Alá, ignorando o fato de que a cultura pop ocidental também tem influência nas cidades grandes do mundo arabe e nas classes sociais média e alta desses lugares. Lamentável
É surreal que tantas pessoas, como eu, so descobrimos esse acontecimento agora e não durante as olimpíadas. A história real é extremamente comovente, sem dúvida. Já o filme deixa muito a desejar. Se a história não fosse real, o filme não teria tanta relevância. Ele, por si só, não consegue transmitir o contexto de desespero para um olhar ocidental que desconhece os horrores da guerra.
Matheus, eu discordo completamente da sua fala e vou trazer um viés de crítica de filme. Não sou crítica profissional, mas vamos lá! Eu acho que uma crítica precisa ser avaliada através do viés do contexto. O filme não é uma ficção, ela é baseada em uma história real de duas irmãs e é esse o primeiro olhar que precisa ser dado ao filme: como é a história das duas irmãs? Quem são as duas irmãs? E é aí que o contexto entra. Essas duas irmãs são retratadas no filme como claramente duas moças que não são pobres (E nem ricas). Elas provavelmente são de uma classe média Síria. São filhas de um pai progressista, que não se importa da…
É notória a infantilização da sociedade, quando as maiores bilheterias estão atreladas a filmes de super-heróis. Então surge um filme como este, fantástico, profundo, sincero...e o sujeito faz uma crítica, no mínimo, infeliz. Ótima a indagação de Evandro de Souza: quem não teve sucesso na arte se torna crítico de arte? Acho que sim.