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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: ‘As Boas Maneiras’ é estranho, é ousado e é um filmaço

Atualizado: 11 de jan. de 2022


Muitos reclamam que o cinema brasileiro não tem criatividade e que não sai da “comédia de riso fácil” -- o que é uma grande bobagem, é claro. Outros, enquanto isso, falam que cinema nacional é só “sexo, drogas e palavrões”. Vários preconceitos e bobagens que as pessoas soltam sem saber e entender como funciona cinema. E agora, chega mais um filme pronto para quebrar quaisquer bobagens desse tipo que surjam nas roda de conversas: é o ótimo e ousado As Boas Maneiras.

Dirigido pelos talentosos Juliana Rojas (Sinfonia da Necrópole) e Marco Dutra (Quando Eu Era Vivo), o filme é dividido em duas partes. Na primeira metade, o espectador conhece Ana (Marjorie Estiano), uma jovem burguesa e sem ligações com sua família e amigos, e Clara (Isabél Zuaa), uma mulher sem alegria na vida e que quer trabalhar como babá do filho de Ana, que deve nascer dali alguns meses. Assim, adentramos na vida das duas e da relação que é criada ali.

Nesse começo, o espectador mantém um forte vínculo com a realidade. Tudo é mostrado para escancarar diferenças entre as duas e a desigualdade é aparente até nos nomes das personagens. Um certo estranhamento, então, é introduzido por Rojas e Dutra aos poucos, com pequenas pinceladas de cores vibrantes na fotografia e uma câmera que não tem medo em focar em elementos traumatizantes -- há uma cena com a barriga da Marjorie Estiano que dá pesadelos.

Além disso, as duas atrizes conseguem desempenhar muito bem os seus papéis. A insossa Marjorie Estiano mostra, novamente, que não consegue ser uma grande atriz -- logo depois de entregar uma atuação fraca em Entre Irmãs. Ainda assim, sua atuação é “passável”. Já a pouco conhecida Isabél Zuaa está ótima. Uma apatia em seu olhar permite que a câmera entre em seu sofrimento, entre no abismo social em que ela está presa. Boa revelação para o grande público.

Pena, porém, que o ritmo seja arrastado demais e muito calcado no drama familiar que não é grandioso. As coisas só esquentam na metade final dessa primeira parte, quando Ana começa a ter um comportamento estranho referente ao lobisomem que ela está gestando. Isso mesmo. As Boas Maneiras é um filme sobre lobisomens -- e não, isso não é um spoiler. E tudo com em um terror gráfico bom e cenas de efeitos práticos que deixam o espectador com o queixo caído.

É aí, então, que o filme pega fogo e Rojas e Dutra mostram ao que veio no cinema nacional.

Na segunda metade, As Boas Maneiras assume total tom onírico -- ecoando em filmes de Lynch e Jacques Tourneur. A história ganha fôlego e se arrisca ao entrar de cabeça em um tipo de filme pouco explorado no Brasil. Os cineastas invertem expectativas e, até com um pouco de humor, enfrentam o preconceito que o Brasil tem com cinema de gênero. É capaz que muitos achem o filme tosco, com efeitos que ficam entre novela da Record e produções americanas de baixo orçamento.

Mas desculpe. Quem achar isso, sinceramente, não entendeu o que o filme queria dizer e, principalmente, não comprou a história.

Afinal, nessa segunda metade, o filme ganha ares ainda mais assombrosos e elementos de drama familiar são inseridos de modo refinado na história. A crítica social -- como diferenças entre o “lado de lá da ponte e o lado de cá” -- também marcam presença numa trama que se fantasia de terror. O final, enquanto isso, é lindo e apoteótico, ainda que com exageros por parte da narrativa e de algumas músicas cantadas pelos atores, que soam deslocadas na história.

Nada, porém, atrapalha a experiência de As Boas Maneiras, que foi premiado em Locarno e que venceu o Festival do Rio. É cinema de verdade, é cinema para quebrar barreiras. É um filme que pode calar a boca de muita gente, que afirma sem pensar que o cinema nacional é tudo aquilo que disse no começo desse texto. Muitos, claro, podem não gostar. Seja por um preconceito enraizado, seja por achar os efeitos ruins ou, simplesmente, por não comprar a história.

Mas é inegável. As Boas Maneiras é um filmaço que merece ser assistido e que até pode quebrar algumas barreiras no cinema nacional.

* Visto em outubro de 2017, durante a cobertura especial da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.​

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