Está havendo uma onda generalizada no cinema de diretores que colocam suas infâncias sob perspectiva do tempo que vivemos. Falam, sim, sobre coisas que aconteceram no passado, mas sempre dando importância a esses assuntos pelo olhar do hoje, do agora. É o caso de Roma, de Alfonso Cuarón, de Belfast, de Kenneth Branagh, e agora de Armageddon Time, de James Gray.
Estreia nos cinemas desta quinta-feira, 10, Armageddon Time tem uma premissa bem simples: contar a história de um garotinho (Banks Repeta) de classe média vivendo na Nova York da década de 1960. O clima está tomado pelas missões espaciais da NASA, mas outras coisas se amplificam na vida do menino. A principal delas? A amizade com Johnny (Jaylin Webb).
Colega na escola, Johnny sofre bem mais do que Paul, o protagonista do longa-metragem. Não por ser mais bagunceiro, mas por ser negro. Gray, dessa forma, insere um assunto que, de algum jeito, o impactou na memória afetiva. Também traz temas similares de Belfast, como a bela relação com os avós -- neste caso, principalmente o doce avô Aaron (Anthony Hopkins).
Ou seja: no final da noite, Armageddon Time é um meio do caminho. Não é tão brilhante quanto Roma, filme que fez com que esse tipo de história ganhasse atenção novamente, tampouco fosco como Belfast. É um filme com vida e sentimento, mostrando novamente como James Gray é um cineasta que sabe conduzir boas histórias: seja de explorações na selva ou de sua infância.
Ainda que ele tenha certa dificuldade em avançar na discussão sobre o racismo nos Estados Unidos, principalmente na forma velada que surge aqui e acolá, os outros temas são dominados com prioridade pelo cineasta do excepcional Ad Astra. A relação com o pai, a mãe e os avós, por exemplo, traz uma verdade dolorosa. Uma cena em que o pai (Jeremy Strong) bate no menino é de arrepiar, com atuações marcantes tanto de Strong (Succession) quanto do jovem rapaz.
Interessante notar, também, como há inocência em Armageddon Time. Apesar do diretor colocar muito da perspectiva do hoje na película, o longa-metragem transpira sinceridade do cineasta. É quase uma sessão psicanalítica de Gray, que vai mergulhando aos poucos no que o formou e nas barreiras que foram colocadas em sua vida, sempre transpondo de forma sutil e com vontade.
Também não poderia deixar de falar de Anthony Hopkins. O ator, que ganhou recentemente o Oscar por Meu Pai, volta a mostrar o motivo de ser considerado um dos maiores atores em atividade. Não só é generoso em cena, abrindo espaço para que outros também brilhem, como traz uma composição detalhada de personagem. Foi difícil não se empolgar com esse avô tão sereno e consciente. Se Hopkins não for indicado ao Oscar em 2023, não há justiça no mundo.
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