Quando Yorgos Lanthimos estava gravando seu elogiado e celebrado Dente Canino, havia alguém nos bastidores notando, anotando e aprendendo tudo o que o cineasta fazia. Era Christos Nikou, então assistente de direção de Lanthimos. Agora, anos depois, ele coloca todo esse aprendizado em prática com seu primeiro longa-metragem, o estranho e provocativo Apples.
Selecionado na competição do Festival de Veneza e exibido no Festival de Toronto, o longa-metragem parte de uma premissa simples e assustadoramente atual: num passado bem próximo, uma pandemia de amnésia toma conta do mundo. E uma das pessoas afetadas é o solitário Aris (Aris Servetalis), que passa a ignorar sua real identidade numa viagem de ônibus.
A partir daí, ele espera algum parente vir resgatá-lo. Mas, sem ter ninguém, fica relegado ao sistema de saúde local. E aí que começa a parte interessante do filme: sem nenhum contato com sua vida anterior à amnésia, Aris se inscreve num programa de "nova identidade". Ganha um novo nome, uma nova casa e, assim, começa a reaprender a viver com indicações médicas.
Assim, numa mistura de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças e Dente Canino, vemos esse homem embarcando numa nova vida. Busca entender os prazeres mundanos, compreender os relacionamentos e, assim, socializar para avançar com sua nova identidade. E é aí que surgem as principais perguntas do filme: socializamos por quem e para quem?
Afinal, ainda que o longa-metragem se passe num momento analógico, a tecnologia está presente em vários momentos do filme. O próprio programa de ressocialização, que obriga o paciente amnésico a tirar fotos para comprovar que esteve ali, nos faz pensar sobre as fotos nas redes sociais. Estamos nos divertindo ou apenas buscando algum tipo de inclusão social?
Ainda que peque com a falta de ritmo em alguns momentos, e tenha vácuos narrativos em momentos importantes, Apples é daqueles filmes que ficam martelando na cabeça. Em última instância, nos faz pensar sobre essa amnésia que nos atinge. Mas não sobre nossas histórias, mas sobre nossas maneiras de viver. Será que também precisaremos ser ressocializados?
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