Ciganos da Ciambra tem tudo para ser um filmaço. A começar pelo time que está por trás, como os produtores Martin Scorsese (diretor do clássico Taxi Driver) e o brasileiro Rodrigo Teixeira (produtor de Me Chame Pelo Seu Nome); passando pela temática cigana pouco abordada no cinema; e chegando até o elenco, formado apenas por não-atores de uma mesma família e que vivem, exatamente, a mesma realidade que é retratada no longa-metragem.
No entanto, o filme -- que foi o escolhido pela Itália para tentar abocanhar uma vaga no Oscar 2018 -- não é tudo isso. Mas vamos por partes: a história, basicamente, acompanha Pio (Pio Amato, estreante), um garoto que vive num acampamento de ciganos na região da Calabria, na Itália. Por conta de suas obrigações com a família, que está sempre vendo seus membros irem presos, ele cresce muito rápido e acaba adquirindo hábitos de adultos, como o fumo e o álcool.
Assim, a proposta do diretor Jonas Carpignano é, basicamente, deixar a realidade dessas pessoas rolar na tela com um fio de narrativa, conduzindo-os a alguns acontecimentos que desenvolvem os personagens e dão uma noção à audiência do que é e como funciona aquela comunidade cigana.
Carpignano, que já tinha apresentado potencial com o bom Mediterranea, tem uma câmera nervosa, que não para de se mexer e que trabalha com enquadramentos mais fechados em seus personagens. No começo, é algo que causa um certo desconforto e estranhamento: afinal, a imagem fica muito tremida e é difícil compreender corretamente o que está sendo passado na tela -- algo, aliás, que é totalmente proposital e que faz o espectador ir se acostumando.
A trajetória de Pio, junto com seus irmãos, é desesperadora. O cigarro rolando na boca dos pequenos e as responsabilidades que ele precisa arcar -- mesmo com sua família não reconhecendo, em alguns momentos, como ele já é um adulto completo -- causam um forte desconforto. As condições dos ciganos também são bem retratadas, ainda que Carpignano não faça um esforço real para que o espectador compre o lado deles. É algo que fica para a audiência.
O problema é que o fiapo narrativo, que serve apenas como linha condutora nesse filme neo-realista, não serve para dar dinamicidade completa durante as quase duas horas de projeção. Algumas situações ficam jogadas ou inacabadas, derivadas dessa liberdade que os personagens deveriam ter diante das câmeras. Em alguns momentos, o vácuo narrativo fica muito evidente e acaba quebrando algumas boas sequências. O filme, então, possui um ritmo entrecortado.
Isso só não derruba o longa-metragem por conta dos atores. Pio Amarato está fantástico e muito natural na frente das câmeras. Ainda que cometa atos reprimíveis, o público pode acabar entendendo seu lado -- se não entender, aí a experiência do filme vai, sem dúvidas, por água abaixo. Iolanda Amato e Susanna Amato, mãe e sobrinha, respectivamente, também dão um show. Se as duas quiserem seguir carreira, com certeza possuem potencial.
Destaque também para Koudous Seihon, o amigo africano de Pio. Curiosamente, ele é o protagonista do outro filme do cineasta Jonas Carpignano, criando uma interessante mistura de histórias.
Ciganos da Ciambra é um bom filme, sem dúvidas. Cruel, realista, duro, mordaz. Mas a falta de um roteiro mais coeso, que dê união às histórias e agilidade na tela, acaba por tirar um pouco a força da narrativa, que acaba se ancorando nas atuações naturais dos não-atores, na direção sufocante de Carpignano e na boa trilha sonora, que se vale, principalmente, de canções pop. Não é um filme de Oscar -- Uma Mulher Fantástica mereceu mais --, mas vale o ingresso.
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