Confesso que pensei muito sobre o título acima desta crítica. Afinal, parece uma contradição: como uma produção é cru e poética? Como levar a realidade fria e grosseira da vida enquanto também faz arte, metáforas, poesia? Parece realmente algo difícil, quiçá impossível. Mas este longa-metragem, Apenas Mortais, consegue acertar em cheio ao misturar esses dois tons.
Para isso, o diretor Liu Ze se vale de uma triste história familiar. De um lado, a jovem Xian Tian, que acaba de terminar um relacionamento. De outro, seus pais. Ele está entrando em um estágio avançado de Mal de Alzheimer. Começa a se perder, a não saber mais a identidade da filha e a se comportar como criança. Como Xian Tian pode ajudar a cuidar dele nesse momento?
A partir daí, Liu Ze começa a mostrar essa rotina complicada, cheia de desafios, em que familiares precisam lidar com o "sumiço" da mente de seu pai. É um estilo de filme que foge do tom "oscarizável" de Para Sempre Alice, que cai fora das armadilhas de gênero de filmes como Nebraska e, ainda, não cai nos braços da melancolia sombria de dramas europeus, como Amor.
Algumas questões ficam sobrando na história (principalmente envolvendo a relação com Xian Tian) e pontos culturais acabam criando estranheza, como as relações familiares. Isso, de alguma forma, é uma inflexão na produção e deve afastar alguns públicos não acostumados com a frieza de algumas relações nessa hierarquia bem definida que a sociedade chinesa.
E a poesia visual e narrativa que chega no final, de maneira tão inesperada e inspirada, é uma surpresa muito bem vinda. Traz o frescor necessário pra trama, que sai dessa crueza que deixa tudo tão árido durante o mergulho na narrativa. É um bom filme, coeso e inteligente, que sabe como abordar o Mal de Alzheimer de maneira respeitosa e delicada, sem se furtar de detalhes.
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