A questão de injustiças cometidas por conta da imaginação das crianças não é novidade. O tema foi tratado com intensidade nos noticiários brasileiros na década de 1990, quando a imprensa brasileira cometeu erros no chamado caso da Escola Base. Depois, a temática voltou aos holofotes com a ficção dinamarquesa A Caça, com Mads Mikkelsen, que mostrou os efeitos que a mentira de uma criança produziu na vida de um professor do ensino infantil. Agora, a temática volta ao Brasil -- na ficção, ainda bem -- com o drama Aos Teus Olhos.
Dirigido pela ótima Carolina Jabor (Boa Sorte), filha de Arnaldo, o novo drama nacional acompanha a tragédia pessoal na vida de Rubens (Daniel de Oliveira), um professor de natação que vê sua vida se transformar quando um menino (Luiz Felipe Mello) diz que foi beijado na boca por seu tutor. A partir daí, os pais Davi (Marco Ricca) e Marisa (Stella Rabello) criam um caos -- virtual e real -- para tentar punir Rubens e a diretora do clube (Malu Galli).
Assim, ao contrário de A Caça, que é um filme que mostra efeitos mais dinâmicos e de maior proporção na vida do protagonista, Jabor decide focar em aspectos mais íntimos e minimalistas dessa questão, investindo num pesado desenvolvimento do personagem principal e em efeitos sociais. Além disso, ela também explora um aspecto pouco presente no longa dinamarquês: a "revolta de Facebook", onde os acusadores se valem do anonimato das redes.
Esse último ponto, aliás, é o que eleva o potencial da trama e o tira de uma remota possibilidade de ser esquecível -- como Daniel de Oliveira disse ao Omelete, o julgamento na internet é a espinha dorsal de Aos Teus Olhos. É um filme, então, de difícil digestão e que amplia o debate, saindo apenas da dinâmica já batida que a questão poderia trazer e como A Caça faz tão bem. No final, a acusação do infante contra o tutor é apenas a superfície do longa.
Os pontos positivos são amplificados pelas boas atuações. Daniel de Oliveira (Cazuza: O Tempo Não Para) consegue transitar muito bem entre o rapaz descontraído e o que se sente injustamente acusado por pessoas que confiava. É um ator que evoluiu muito e que só tende a crescer. O mesmo vale para os pais do menino, Marco Ricca (As Duas Irenes) e Stella Rabello (Me Chama de Bruna), que passam os sentimentos e as sensações que são exigidos.
O único ponto fraco são alguns recursos de roteiro que vão se perdendo enquanto a trama avança. O personagem de Gustavo Falcão, um outro professor do clube, some sem ser aproveitado -- ainda que, no começo, seja responsável pelo papel do amigo que não é tão amigo assim. Fica estranho. O mesmo vale para o menino Alex, vivido por Mello, que não tem seu drama pessoal desenvolvido em tela e a namorada de Rubens, vivida de forma irritante por Luisa Arraes. Fica um vazio narrativo e que seria resolvido com 15 minutos a mais de trama.
Ainda assim, Aos Teus Olhos é um interessantíssimo drama nacional que toca em assuntos pouco discutidos no audiovisual brasileiro, como pedofilia e o "tribunal do Facebook", como diria Tom Zé. É um filme necessário, pungente e que, sem dúvida, está entre as principais estreias do cinema no primeiro semestre de 2018 -- ano, aliás, que está se revelando cada vez mais fraco. Boa continuação na carreira de Carolina Jabor. É pra ficar de olho e ver as novidades.
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