Sean Baker é um cineasta que, com seu faro para boas histórias nas periferias da Califórnia, conseguiu encontrar seu espaço em Hollywood. Seja com as amigas de Tangerina, com a mãe em busca de oportunidades de Projeto Flórida ou com o ator pornô de volta pra casa em Red Rocket, o americano deu voz para desvalidos e trabalhou seu estilo, transitando entre o experimental e o linear, o digital e o analógico. Agora, estoura a bolha com Anora, filme que venceu a Palma de Ouro em Cannes em 2024 e estreia no Brasil agora, nesta quinta-feira, 23.
A história, assim como de seus outros trabalhos, fala sobre pessoas invisíveis no cenário social da Califórnia. O foco agora, porém, está em Anora (Mikey Madison), essa personagem-título que trabalha no mundo do sexo, fazendo apresentações como dançarinas e programas nas horas vagas. Ela vê uma possibilidade de mudar de vida, porém, quando o filho de um oligarca russo se apaixona por ela e, sem perceber as consequências de seus atos, a pede em casamento.
Ao longo de seus quase 140 minutos, Anora é um filme que fala sobre oportunidades, sonhos e, claro, decepções. A protagonista se segura no rapaz como sua chance de uma nova vida, como se mais nada nos Estados Unidos -- ou até mesmo no mundo, pensando no relacionamento com o rapaz russo -- pudesse dar essa oportunidade para ela. O suor do trabalho não traz mais recompensas e uma nova vida, depois de tudo que já viveu, parece cada vez mais distante.
O longa-metragem transpira Sean Baker -- há ecos dos sentimentos de Tangerina, o mundo do sexo de Red Rocket e de Uma Estranha Amizade, assim como a dificuldade de se colocar em movimento de Projeto Flórida. É inegavelmente um filme do cineasta, aprimorando tom e voz.
No entanto, Anora está longe, bem longe de ser o melhor filme de Baker. Pra começo de conversa, a jornada da personagem-título enfrenta dificuldades óbvias em avançar. O diretor e roteirista sabe de onde partir e onde quer chegar, mas parece nunca ter muita clareza do caminho para isso. O bom apoio do ator coadjuvante Yura Borisov, que vive o capanga Igor, até ajuda a mascarar algumas dessas dificuldades, mas nunca é o bastante para afastá-las de vez.
Bom exemplo disso é como o trabalho de edição -- assinado por Baker, como em todos os seus outros filmes -- é o mais falho de sua filmografia. Uma cena na casa do marido de Anora, em que ele e Anora precisam se desvencilhar de capangas russos, é a amostra perfeita disso: não há timing, não há compreensão de como isso vai se encaixar dentro da jornada da protagonista. As coisas se prolongam e o roteiro até traz deslizes, como a já polêmica frase sobre estupro.
Anora até termina bem, com uma cena transbordando sensibilidade e com Madison, enfim, justificando todo o burburinho ao redor de sua jornada na temporada de premiações. Mas está longe de ser um filme completo, que compreende todas as suas emoções e dificuldades -- uma mulher na direção ou no roteiro, sem dúvidas, ajudaria a compreender melhor esses pontos. Baker está no auge da carreira, mas é difícil dizer que este é seu melhor filme. Projeto Flórida e Red Rocket, pelo menos, ainda são filmes superiores e que mereciam mais atenção.