Confesso que comecei a assistir ao filme Andança, que chegou aos cinemas nesta quinta-feira, 2, achando que seria mais do mesmo. Geralmente, cinebiografias -- sejam elas documentais ou ficcionais -- sempre trabalham no mesmo espaço, de maneira linear e um tanto quanto óbvia. Só que esta produção sobre a madrinha Beth Carvalho é tudo que um filme sobre a sambista deve ser: é criativo, é ousado, é inteligente e, acima de tudo, faz resgate essencial da memória.
Dirigido por Pedro Bronz, de A Farra do Circo, o longa-metragem fala, essencialmente, sobre a vida e obra de Beth Carvalho. No entanto, esqueça aquele formato quadrado de pessoas sentadas na frente de uma câmera tecendo loas ao biografado. Aqui, o cineasta se vale de um arquivo produzido por Beth ao longo de décadas. Ela, como diz em um determinado momento do filme, tinha cabeça de pesquisadora. Ela registrava tudo: desde conversas até ensaios.
Com isso, Bronz tem ouro em mãos. Não só conseguimos mergulhar nas idas e vindas da madrinha do samba, como também conseguimos participar de alguns momentos históricos do samba. É de arrepiar, por exemplo, o momento gravado em som por Beth Carvalho em que Cartola apresenta, pela primeira vez, os sambas As Rosas Não Falam e O Mundo é um Moinho. É o ponto alto de Andança, mostrando como é mais do que uma cinebiografia. É uma celebração.
Depois, são outros grandes momentos que vão se sucedendo, trazendo uma grandiosidade de registro. Não tem como ficar impassível ao encontro com Fidel Castro, quando ele pede uma nota de real e Beth não apenas entrega uma para ele, como também a autografa. É brilhante. Os momentos de troca com outros grandes sambistas, como Jorge Aragão e Arlindo Cruz, também dão uma sensação de como esse filme é único. Para fãs de samba, difícil segurar a emoção.
Dessa forma, pode-se dizer que Andança é uma das produções mais brilhantes desse primeiro trimestre do ano. Não só é corajosa por seguir um formato diferente (ainda que um tanto quanto linear, infelizmente), como também é uma celebração à memória. Memória da madrinha Beth Carvalho, de Nelson Cavaquinho, de Cartola, do Cacique de Ramos, do Fundo de Quintal. É uma beleza rara de se encontrar, ainda mais em um país que simplesmente não celebra o passado.
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