Alemão é um filme deveras problemático. Chegou aos cinemas, em 2014, surfando na onda do "favela movie" -- esse movimento que renasceu com Cidade de Deus e depois ganhou ainda mais força com Tropa de Elite. E, apesar de certa inventividade da trama sobre policiais que ficam "presos" no Morro do Alemão, há problemas evidentes: falta de cuidado na produção, um protagonismo de policiais homens e brancos, apagamentos. Felizmente, Alemão 2 muda isso.
Novamente dirigido por José Eduardo Belmonte, o longa-metragem mostra que o tempo fez bem para a história. Há diferentes olhares, diferentes protagonismos. Aqui, três policiais (Gabriel Leone, Vladimir Brichta e Leandra Leal) sobem o Morro do Alemão, após o projeto de pacificação do lugar falhar terrivelmente, para capturar um dos principais criminosos do tráfico (Digão Ribeiro). Só que as coisas logo saem do controle e os três policiais ficam presos sem saída.
A premissa é muito similar ao que foi visto no primeiro longa-metragem. No entanto, o roteiro de Thiago Brito, Marton Olympio e Pedro Perazzo vai além: não só os três policiais são humanizados e desenvolvidos, como também as pessoas ao redor. Soldado, esse traficante brilhantemente interpretado por Digão Ribeiro, ganha um desenvolvimento raríssimo de se ver. Quando um homem negro, traficante, foi humanizado em um filme, uma notícia, um livro?
Sinceramente, não lembro. São sempre vilões rasos, mais do mesmo, e esquecem que são pessoas. Alemão 2, em um dos movimentos mais surpreendentes do cinema em 2022, faz isso. Se mostra atual, reflexivo, contemporâneo. Há, também, mais mulheres: Leandra Leal faz Freitas, uma policial jovem e inexperiente que traz um olhar diferente para a narrativa, sem cair em estereótipos femininos. Era justamente o que Alemão precisava, mas não tinha.
Além disso, há a melhor personagem de Alemão 2: Zezé Motta, que interpreta uma moradora do Alemão que se vê obrigada a dar abrigo para os policiais, é a alma do longa-metragem. Ela tem o melhor diálogo da produção (a questão sobre ser enfermeira, não médica), o melhor embate, a melhor história. Uma pena que seja pouco aproveitada, sendo mais uma participação especial.
Isso sem falar das boas sequências de ação. Ainda que Belmonte tome algumas liberdades do cinema de gênero, como a munição infinita, dá para ficar imerso dentro da história. Bom ritmo.
Agora, vamos aos problemas: o roteiro de Alemão 2 tem alguns excessos que quebram o ritmo e o mergulho. Mariana Nunes, por exemplo, interpreta a personagem que faz ligação com o longa-metragem de 2014, criando essa sensação de continuidade. No entanto, a trama da personagem sobra: em uma linha narrativa solitária, ela não consegue se misturar com o resto da história e se torna uma trama paralela. Quebra o ritmo. Sempre que ela aparecia, o interesse se perdia.
Por fim, apesar da tentativa de tentar resolver isso, Alemão 2 volta a provocar certo apagamento nas pessoas que moram em comunidades, focando no drama dos policiais. Zezé Motta, por exemplo, poderia ter sido mais explorada, mais desenvolvida, se tornando protagonista ao lado de Vladimir, Leandra e Gabriel. Além disso, ao invés de Mariana, poderiam ter encontrado uma história mais coesa e conectada -- do jeito que ficou, soou apenas como muleta, uma tentativa.
Enfim: Alemão 2 avança consideravelmente em relação ao primeiro longa-metragem. É mais forte, mais empolgante, mais interessante, mais emocionante. Sobrou uma trama, que quebra o ritmo, e faltou mais atenção para as pessoas, para a comunidade. Ainda assim, é uma agradável surpresa que mostra, novamente, como o cinema nacional pode ganhar cada vez mais corpo no chamado "cinema de gênero". Fica a torcida para que tenha público com a atenção merecida.
Zezé Motta realmente merecia mais destaque.