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Bárbara Zago

Crítica: Adaptação de 'Extraordinário' faz jus ao nome


Em 1980, David Lynch dirige Homem Elefante, uma das suas obras mais bem sucedidas até hoje. A história contava sobre John Merrick (John Hurt), um homem que nasceu com deformações no rosto e, por causa disso, servia de atração nos circos locais. Acolhido por Sir Frederick Treves, grande papel de Anthony Hopkins antes de Silêncio dos Inocentes, o filme acaba por revelar sua humanidade e sensibiliza o espectador até o final.

Trinta e dois anos depois, a escritora R.J. Palacio publica seu livro Extraordinário, que conta sobre August Pullman -- ou Auggie, para os íntimos -- e sua dificuldade em frequentar a escola, já que sofre de uma síndrome chamada Treacher Collins. Apesar de três décadas serem suficientes para mudar muitos padrões de pensamento, o estranho ainda causa diferença, até hoje.

A adaptação do romance para o cinema começou a se concretizar em 2016 e teve seu lançamento nos Estados Unidos no final de novembro deste ano. Com Jacob Tremblay, protagonista de O Quarto de Jack, no papel de Auggie, o filme já tem um certo potencial para dar certo. Adicione a atuação de Julia Roberts (Uma Linda Mulher) no papel de mãe e as constantes piadas de Owen Wilson (Marley e Eu) como pai e temos uma combinação quase perfeita. Mais uma vez, Jacob dá um show de atuação e consegue arrancar lágrimas até dos mais exigentes.

No início do filme, Auggie constantemente usa um capacete, e não sabemos como é seu rosto. Arrisco dizer que a descrição feita no livro sugeria algo bem mais monstruoso. No longa, seu visual revela bem sua estranheza, mas como é dito por seu colega na metade da história “você acaba se acostumando com o rosto de Auggie”.

A construção de sua personagem é bem feita: sua fascinação pelas ciências, em especial pelo Espaço, e seu amor por Star Wars são bem representados nos detalhes nem sempre tão explícitos; sua personalidade bem humorada, apesar de constantemente sofrer por causa de sua deformação.

Assim como em Homem Elefante, a nova comédia dramática não foca apenas em Auggie, mas sim àqueles que o cercam. No livro, a escritora teve a ideia de separar de acordo com a visão de cada um. Os capítulos são, na verdade, nomes de personagens, que revelam seu ponto de vista sobre aquela situação.

O filme segue exatamente a mesma técnica, porém falha no final. Para evitar a repetição de personagens, ignoram essa demarcação e parece que grande parte do filme é sob a perspectiva de Miranda, amiga de Via (Izabela Vidovic), irmã de Auggie. Mesmo sabendo da história, peguei-me pensando “Peraí, isso tudo continua sendo a visão da Miranda? Mas não faz sentido”. E realmente não fazia. Felizmente, a falha não é suficiente para estragar o filme.

Diferente do filme de Lynch, Extraordinário tem um caráter um pouco mais apelativo por tratar de crianças. Justamente por serem atores tão novos, não imaginava um trabalho tão bem executado. Noah Jupe interpreta Jack Will, um garoto mais simples e melhor amigo de Auggie, mas que sente uma certa pressão para ficar no grupo dos meninos; Bryce Gheisar é Julian, um menino metido que descarrega a maioria de seus problemas na forma de ofensas à Auggie; Elle Mckinnon interpreta Charlotte que, apesar de não ser tão relevante no filme, está muito bem representada nos seus intermináveis discursos sobre Broadway; Millie Davis, por fim, faz o papel de Summer, que só ganha uma maior importância no final da história, mas revela sua doçura em cada ato. Ainda assim, para um elenco tão jovem e, portanto, inexperiente, conseguiram expressar bem aquilo que precisavam, sem contar da enorme empatia que transmitiram.

Não bastando ser um filme sobre crianças, o caráter apelativo ganha ainda mais força quando inserimos um cachorro na história. Por incrível que pareça, uma cena em especial de Daisy, a cachorra da família Pullman, conseguiu arrancar mais lágrimas que o filme todo. Cabines de imprensa normalmente têm um público mais contido. Foi a primeira vez que pude escutar pessoas assoando o nariz de tanto chorar. Não sei se esse tipo de elemento é tão essencial numa história dessas, mas não atrapalha.

O filme é tão bem produzido que é mais fácil falar dos erros do que me prolongar nos acertos. Percebe-se, por exemplo, uma cena que provavelmente foi cortada. Na obra de Palacio, é descrita uma situação em que Auggie espanta uma criança quando está tomando sorvete. No filme, esta cena é mencionada na maior naturalidade possível. Acaba por passar despercebido, mas não deixa de ser um erro.

Outro é a ida de Auggie para o acampamento: o diretor se apressou muito e acabou por fazer uma cena extremamente sentimental que dura pouquíssimo tempo. Assemelha-se às cenas de final de filme, justamente para acabar com um final feliz e fazer que o espectador saia da sala com um sorriso no rosto. Mas não. Ainda têm bons minutos pela frente. Senti uma certa estranheza por me emocionar num momento tão impróprio. Mal havia tempo para processar aquela emoção.

Extraordinário fala de um assunto universal que é pouco abordado, mas de maneira doce, beirando o clichê. No entanto, acredito que a história trata além de um menino diferente, mas sim sobre a dinâmica familiar envolvida nessa situação. O filme é feito para ser visto em família. Famílias compostas por todas as realidades e idades.

O caráter infantil está um tanto quanto mascarado, proporcionando uma lição para os mais novos e um bom entretenimento para os mais velhos. A família Pullman tem um caráter muito natural, espontâneo, que aumenta a identificação. O filme de Stephen Chbosky conseguiu equilibrar bem todos os aspectos, resultando numa belíssima história de superação, que emociona e faz rir.

ÓTIMO

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