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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Adam' é filme poderoso sobre relações humanas


Logo na primeira cena de Adam, selecionado de Marrocos para uma vaga em Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2020, vê-se a jovem Samia (Nisrin Erradi), grávida, percorrendo casas e lojas em busca de um emprego e de um abrigo. Não se sabe bem quem ela é, ou o que aconteceu para estar nessa situação. É angustiante. Afinal, a cena se repete até que ela bate na porta de Abla (Lubna Azabal), mulher de poucas palavras.

A partir daí, a diretora estreante Maryam Touzani desenvolve uma trama profundamente humana. Samia, sem saber como seguir na vida, começa a ajudar na árdua tarefa de Abla, viúva e mãe de uma simpática menina, se abrir de volta para a vida. Já Abla faz o trabalho de ajudar Samia a compreender o papel de mãe numa sociedade que se fecha para as mulheres solteiras e que, de alguma forma, cria embates e rusgas entre elas.

O que Touzani faz, de maneira muito hábil, é desconstruir paradigmas e mostrar a importância da ajuda, da compreensão, da conversa. Assim como Papicha, selecionado da Argélia ao Oscar de 2020, mulheres buscam soluções em sociedades preconceituosas, machistas, patriarcais. A sororidade, assim como a busca por algo que ama, é o que norteia essas produção. Temas extremamente atuais, fortes, interessantes.

Sendo um drama extremamente humanizado, é natural que as atenção se voltem às atrizes Lubna Azabal (Incêndios) e Nisrin Erradi (Prendre le large). E não tinha como esse resultado ser mais positivo. Ambas estão imersas em suas personagens e não se perdem em meio a tantas camadas no roteiro da própria Touzani -- muitas delas, aliás, invisíveis. Há complexidade no que é construído aqui e ambas seguem tudo à risca.

E é interessante notar como tantos assuntos e discussões surgem a partir de olhares, gestos, toques. A crueldade da sociedade islâmica para com mulheres, a paralisia social delas em caso de morte do marido ou de gravidez fora de casamento, a complexidade de uma relação entre mulheres, a aridez do ambiente. A câmera de Touzani, ainda que pouco delicada, consegue destacar essas sensibilidades das relações e da vida islâmica.

E apesar do paralelo feito há alguns parágrafos com Papicha, há de se indicar a proximidade familiar deste longa-metragem com o selecionado brasileiro ao Oscar, o bom A Vida Invisível. São irmãos, quase univitelinos, que refletem realidades em épocas e ambientes distintos. Mas com sugestões e desenvolvimento de personagens parecidíssimos. Seria lindo de ver os três indicados, mais Parasita e System Crasher.

Afinal, mais do que ter técnica impecável, é preciso fazer pensar, refletir, emocionar. Adam esquece de desenvolver alguns assuntos, é omisso em temas importantes e passa de raspão em algumas coisas que sugere. Mas a importância da narrativa acaba engolfando o público e tomando conta. Não dá pra ver e não se emocionar com a jornada de Samia e Abla. Duas mulheres verdadeiras, reais, duras.

Mulheres que estão no norte da África, num país pouco conhecido pelos brasileiros. E, mesmo assim, possuem mais paralelos com nossa vida do que se pode imaginar.

 

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