A ficção científica sempre serviu muito bem para falar sobre dramas demasiadamente humanos. Seja sobre governos totalitários (Star Wars), a origem da humanidade (Matrix), segregação social (Distrito 9) e a essência do que é ser humano (Blade Runner). E, é claro, também pode ser uma viagem para dentro das pessoas, mostrando como há um espaço infinito entre sentimentos, memórias e as difíceis relações consigo mesmo.
É o caso de Ad Astra, ficção científica do talentoso diretor James Gray (Z: A Cidade Perdida, Era Uma Vez em Nova York) que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 26. O longa-metragem conta a história de Roy McBride (Brad Pitt), um astronauta que parte numa missão para Marte com o objetivo de tentar fazer contato com seu pai. Ele é um famoso astronauta que, possivelmente, está preso na órbita de Netuno há alguns anos.
A partir disso, o roteiro de Gray e Ethan Gross (da série Fringe) tece uma jornada complexa envolvendo o protagonista. Mostra, de maneira exuberante e muito bem filmada, como às vezes é preciso ir longe para entender a si próprio. É um longa-metragem, afinal, que fala muito mais do que apresenta na superfície. É um daqueles filmes que estão mais presentes nas entrelinhas do que na própria história em si.
Gray, que cada vez mais se prova como um grande cineasta, amplia ainda mais a sensação de humanidade nessa história passada no espaço. Sua câmera insiste em closes no rosto de Brad Pitt (Era Uma Vez em... Hollywood), que dão vazão às emoções e sentimentos do personagem -- e na contramão do que é feito, geralmente, em longas de exploração espacial, como Star Wars, Star Trek e até o ótimo Gravidade.
É recomendável, também, prestar atenção no excepcional trabalho de fotografia de Hoyte Van Hoytema (Dunkirk, Interestelar). Nada ali é impensado. Tudo tem motivo. Pena, porém, que a trilha sonora de Max Richter (Ilha do Medo) não acompanhe.
Aliás, Pitt reafirma em Ad Astra como 2019 é o seu ano nos cinemas. Apesar de ter um elenco de apoio estrelar (Tommy Lee Jones, Ruth Negga, Donald Sutherland, Liv Tyler), é ele que rouba a atenção na telona. Curiosamente, é um tipo de personagem totalmente contrário ao visto no recente Era Uma Vez em... Hollywood. Nada de exageros ou tiques. Tudo aqui é feito de maneira extremamente pessoal. Há uma boa criação interpretativa.
Há alguns problemas, aqui e ali, como o excesso de lentidão e uma cena envolvendo um babuíno que não mostra sua necessidade até o fim. Aliás, ela tira o espectador do filme. Difícil entender, no primeiro momento, a opção de Gray a colocar no corte final do longa.
Mas isso, no geral, não estraga a experiência com Ad Astra. Não é um filme fácil de ser digerido. Leva algumas horas, alguns dias. Afinal, é daquelas produções marcantes, como Interestelar e Solar, que dá um sentido diferente para as viagens espaciais, indo num movimento contrário do que é visto no cinemão convencional. É um filme cabeça, lento, complicado. Mas que, quando faz sentido, é um deleite. Recomendadíssimo.
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